Opinião

Coluna Direito da Família: Instababy e os likes da paternidade

Os avanços tecnológicos possibilitaram a criação de uma rede de interações, a partir de dados binários, que independe da distância. Teoricamente, por meio dela, se possibilita a aproximação dos indivíduos e a facilidade na realização dos afazeres cotidianos. No entanto, a internet torna-se vilã ao deixar de ser mero instrumento, passando a ser realidade autônoma, vinculada à formação da identidade do indivíduo e ao reconhecimento social. A realidade virtual gira em torno dos “likes” para afiliação social, em realidades aparentemente ficcionais, retratadas pelo seriado Black Mirror.

Apesar da profusão na individualidade e na eterna construção do indivíduo, os relacionamentos (ainda que superficiais) fazem parte da construção da imagem nas redes sociais. Nesse ponto, os filhos, enquanto “pedaços da gente”, são expostos em vista da aprovação social. Quem não gosta de risada de nenê ou mão gordinha agarrando um pedaço de pão? São imagens reconfortantes em meio ao rude e pitoresco cotidiano. No entanto, os filhos são detentores de direitos próprios, cuja obrigação de proteção é dos pais ou responsáveis legais.

Pela superexposição da imagem do menor, conhecida como “shareting” (compartilhamento no exercício do poder familiar, em tradução livre), surgem questionamentos jurídicos, pois há evidente colisão entre o direito de liberdade de expressão dos pais e o direito de imagem do filho, por não haver consentimento. Essa preocupação geralmente surge muito tempo depois dos primeiros passos, mas forma rastros sociais que podem não ser desejados pelos filhos, os quais preferem o esquecimento.

A questão jurídica, portanto, está relacionada aos dados pessoais de titularidade dos menores que poderão ser acessados muito tempo após a publicação, pelo menor ou por terceiros. Isso pode gerar constrangimento, podendo ser mais complexo no caso de criação de perfis para os menores (até mesmo no período gestacional).

Isso pode ofender o direito de privacidade expressamente previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, cuja responsabilidade de proteção é dos pais ou responsáveis. Não quer se dizer com isso que não se pode compartilhar nada, mas é importante compreender as implicações jurídicas e sociais que podem decorrer de uma publicação. Aliás, as próprias crianças podem gerar conteúdos, inclusive ofensivos a direitos alheios (como o cyberbullying), e que são de responsabilidade dos pais ou responsáveis legais.

O vetor de resolução dessas questões é a dignidade humana, enquanto limitadora da liberdade de expressão na medida em que ofender direitos de personalidade, em especial a intimidade e a privacidade que, em compreensão substancial, abrange os dados pessoais e sua divulgação. É imprescindível, portanto, proporcionalidade na resolução desse conflito, considerando as distorções valorativas da sociedade de informação.

Em caso de lesão grave ao direito à privacidade e à intimidade pode acarretar responsabilização dos pais, mas dificilmente dos provedores de internet (por entendimento dos tribunais), visto que são conteúdos de terceiros, podendo ser considerada a impossibilidade técnica e limitando, portanto, o direito ao esquecimento. Afinal de contas, no mundo da reificação da imagem para comodificação do indivíduo, existem vantagens em querer ser invisível.

Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas