Opinião

Coluna Direito da Família: Boomerang: as relações entre direitos e deveres

 

Dra. Giovanna Back Franco

Advogada e mestre em Ciências Jurídicas

 

Ao contrário de Simão, eremita da Ilha Perdida, o indivíduo forma sua individualidade em sociedade, nas chamadas relações interpessoais. Não se pode nomear o alter (outro) com números, como aquele fizera com os macacos, pois todos têm dignidade, enquanto reconhecimento do seu valor intrínseco. Esta deve ser respeitada em nome do pleno desenvolvimento da existência humana.

Há um brocardo latino que ensina que onde há sociedade, há o direito, pois há necessidade de regulamentação dessas relações interpessoais, visto que os indivíduos, embora racionais e cientes da necessidade da coletividade para sua construção individual, estabelecem conflitos diuturnamente, em vista da satisfação dos seus interesses pessoais.

Todavia, ao contrário do que possa parecer, o Direito (ciência) não se volta tão somente ao estabelecimento de direitos (garantias), mas especialmente de deveres e obrigações que fazem limitações frente ao direito alheio, tendo em vista a concepção socializante do ser humano. O indivíduo tem, pois, deveres para com os demais, repartindo os encargos comunitários e não apenas direcionado à visão abstencionista de respeito mútuo.

Existe responsabilidade para com o próximo e quanto mais próximo, maior a responsabilidade. Por isso, nas relações intrafamiliares há uma gama de deveres e obrigações entre seus membros: deveres entre os cônjuges e entre os pais e filhos, podendo se estender a outros ramos da árvore genealógica, especialmente quando se trata de obrigação alimentar.

Nas relações entre cônjuges, há o dever de fidelidade, a qual vai além do aspecto sexual, estando relacionada à confiança, cuja quebra causa perturbação e senso de desvalorização. Decorrente da monogamia, enquanto construção social voltada à certeza da paternidade, a infidelidade já não preocupa o direito, na medida em que não se discute culpa mais em caso de divórcio.

Há, ainda, o dever de mútua assistência, material e imaterial, entre o casal, percebido enquanto unidade, e de sustento, vinculado à contribuição conjunta nas despesas, na proporção dos seus rendimentos, especialmente no contexto em que a mulher galga espaços no mercado de trabalho, e que independe do regime de bens.

Existe, ademais, o dever de coabitação, que corresponde à vida em comum no domicílio conjugal, ou seja, comunidade de vida, de leito e de amor. Não diz respeito expressamente às relações sexuais, sendo estas deveres implícitos do vínculo nupcial. Esta concepção de obrigação para as relações conjugais, de cunho eminentemente civilista, está defasada, visto que a base da comunhão plena de vida é o respeito e consideração mútuos, calcada na ética das relações.

Assim, não é cabível a imposição de relações sexuais apenas para satisfação da libido, devendo haver não uma conjunção de corpos, mas de almas e vidas, com plena liberdade sexual ao indivíduo. Não à toa, o estupro marital (quando existe coerção para a prática sexual e limitação do consentimento do parceiro) foi reconhecido enquanto crime.

O maior dever, então, em qualquer relação interpessoal, é o respeito à dignidade alheia enquanto limitador da esfera de direito pessoal, pois o outro não é mero objeto de vontade, tendo fim em si mesmo. Essa concepção traz consigo o conjunto de deveres não só jurídicos, mas também morais entre os indivíduos, que funciona como um boomerang: exigência de respeito-respeito ao próximo.