Cotidiano

Região em que ministro teria cometido crime ambiental tem espécies ameaçadas e raras

RIO – A acusação de que o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, estaria envolvido na construção irregular de um canal de drenagem na cidade de Palmares do Sul (RS) é apenas um dos sinais da degradação ambiental pela qual vem passando a região costeira do estado gaúcho. Pela rápida expansão urbana, que coloca em risco espécies da fauna e da flora, inclusive endêmicas (aquelas que ocorrem exclusivamente em uma área), a região foi classificada pelo Ministério do Meio Ambiente, em 2007, como uma Área Prioritária para a Conservação, Uso Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira.

O lugar ganhou destaque esta semana depois que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedido de abertura de inquérito para investigar Padilha por crime ambiental. A história envolve a empresa Girassol Reflorestamento e Imobiliária, da qual o ministro seria sócio, que é suspeita de ter construído um canal de drenagem no Balneário Dunas Altas. Segundo Janot, trata-se de ?intervenção irregular?.

Palmares do Sul é abarcada pelo ecossistema classificado como “Campos de dunas e lagoas costeiras do litoral médio” do Rio Grande do Sul, sendo classificada por especialistas ora como parte da Mata Atlântica, ora do Pampa ? dois dos seis biomas brasileiros. A região, parte da Bacia Hidrográfica do Rio Tramandaí, alterna extensas dunas, praias, restingas e lagoas costeiras.

Duas delas, aliás, as lagoas do Potreirinho e do Capão Alto, compunham o ponto final do canal de drenagem de 4,45 km construído pela Girassol Reflorestamento, em terreno identificado com a placa “Fazenda Giriva – Posse de Eliseu Padilha”. As informações foram apuradas pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) e podem chegar agora ao STF após pedido de inquérito pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

Info – lagoas rs nomeadasA região onde a infração teria ocorrido é uma Área de Proteção Permanente, definida pelo Código Florestal e regulamentada por uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), pois fica numa região de dunas. Segundo levantaram Dilton de Castro e Ricardo Silva Pereira Mello, autores do livro “Áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade da Bacia do Rio Tramandaí”, publicado em 2016, há na região pelo menos 36 espécies da fauna e 24 da flora ameaçadas de extinção.

? Estas são as últimas áreas no litoral do Rio Grande do Sul que preservam as dunas costeiras, que têm importância para a proteção por ter espécies endêmicas e em perigo, como o tuco-tuco-branco, além da necessidade de conservação da paisagem. A área tem também uma importância internacional, sendo rota para aves migratórias do Ártico, do Alasca e da Patagônia, além de estar próxima à rota de migração de baleias ? explica o ecólogo Dilton de Castro, ex-presidente do Comitê da Bacia do Rio Tramandaí.
Segundo a apuração do MP-RS, realizada após vistoria no local em 2014, a infração pela qual Padilha está sendo acusado atingiu “campos de dunas móveis, dunas vegetadas, campos arenos, áreas úmidas e banhados”.

tucu.jpg“O material removido para a abertura do valo foi depositado lateralmente a este, sobre os ambientes naturais, resultando na alteração completa de tais ambientes. Deste modo, a abertura do canal e a deposição do material resultaram na alteração dos ambientes naturais existentes no local”, afirma um parecer do MP-RS.
Castro aponta que os recursos naturais da região vêm sendo explorados de forma exaustiva com o loteamento de terrenos e utilização de água doce das lagoas para a irrigação de plantações de arroz ? a água doce à beira mar, aliás, é uma particularidade da área, segundo o ecólogo.

? O mar, as dunas e as lagoas compõem os três ambientes físicos principais da região, e cada uma tem a sua função. As dunas frontais, por exemplo, protegem contra a erosão e o avanço do mar com a ressaca, além dos ciclones. Já as lagoas formam um verdadeiro reservatório a céu aberto. Estamos em 2017, já temos bastante conhecimento para fazer com que a expansão urbana considere a fragilidade do ecossistema. Este é um patrimônio brasileiro ? conclui Castro.