BRASÍLIA – Em documento entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Advocacia-Geral da União (AGU) se posicionou contra a liberação do aborto no caso de mulheres grávidas infectadas com o vírus zika. A doença é associada à epidemia de microcefalia, uma malformação em que os bebês nascem com a cabeça menor que o normal. Como a microcefalia não leva necessariamente à morte da criança, a AGU entende que não cabe permitir o aborto nesses casos.
“Percebe-se, assim, que a autorização da interrupção da gestação, em tal hipótese, seria frontalmente violadora ao direito à vida, uma vez que, embora uma criança cuja mãe tenha sido infectada pelo vírus Zika durante a gestação possa apresentar danos neurológicos e limitações corporais severas, sua vida é viável e merece ser resguardada diante da garantia constitucional insculpida no artigo 5° da Carta de 1988”, diz trecho do documento assinado pelo ministro da AGU, Fábio Medina Osório, pela secretária-geral de Contencioso da pasta, Grace Maria Fernandes Mendonça, e pela advogada da União Carolina Sausmikat Bruno de Vasconcelos.
A ação pedindo a liberação do aborto para gestantes com zika foi apresentada pela Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep) em 24 de agosto deste ano. Hoje, a interrupção da gravidez só é permitida quando a gestação é decorrente de estupro, em gestações que ponham a mãe em risco e em casos de anencefalia, quando o feto não tem cérebro. O aborto em anencefalia só passou a ser permitido em 2012, quando o STF julgou uma ação liberando as mulheres com fetos nessa situação de recorrer à medida.
Segundo a AGU, esse julgamento não pode ser usado como argumento para liberar o aborto também nos casos de zika. “No presente caso, diversamente dos precedentes ora invocados, não se verifica a inviabilidade do embrião ou do feto cuja mãe tenha sido infectada pelo vírus Zika, mas a possibilidade de danos neurológicos e impedimentos corporais, conforme reconhece a própria autora (Anadep)”, diz trecho do documento da AGU.
A Anadep também pediu a ampliação de algumas políticas públicas e o direito a acesso a diagnóstico de qualidade para detectar o vírus. A AGU defendeu as medidas adotadas até aqui pelo governo – parte delas durante a gestão da ex-presidente Dilma Rousseff -, mas lembrou que leva tempo até ter resultados.
“Como se vê, não há como prosperar o entendimento de que haveria omissão estatal no combate à epidemia causada pelo vírus Zika, pois têm sido empreendidos os esforços possíveis para enfrentar essa grave doença e suas consequências. Todavia, conforme demonstrado, por mais eficiente que seja a atuação estatal, trata-se de uma situação cuja reversão demanda tempo, considerando a notória dificuldade para se erradicar o mosquito Aedes aegypti”, diz trecho do documento.
A AGU citou até mesmo o momento econômico para dizer que a ação da Anadep não deve ser aceita pelo STF: “É necessário registrar que o país passa, notoriamente, por uma grave crise econômica, o que, de forma inevitável, se reflete na atuação do Poder Público nas mais diversas questões, dentre elas a atuação no combate ao vírus Zika. Diante disso, há que se respeitar as limitações orçamentárias atuais, devendo ser indeferidos os pedidos deduzidos na arguição de descumprimento de preceito fundamental”.
Por fim, a AGU citou questões técnicas para dizer que a Anadep não tinha legitimidade para apresentar ação. Destacou também que o tipo de ação escolhido – chamado de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) – não era o mais adequado.