RIO – Procurador regional da República e professor de Direito Penal da Uerj, Artur Gueiros afirmou ao GLOBO que o pacote anticorrupção proposto pelo Ministério Público Federal com o apoio de mais de 2 milhões de assinaturas foi deturpado pela Câmara dos Deputados, ao ser aprovado na madrugada desta quarta-feira com grandes mudanças. Os parlamentares derrubaram a criminalização do enriquecimento ilícito de servidor público e a recompensa para quem denunciar crimes. Das dez medidas, salvaram-se integralmente apenas duas. Os parlamentares ainda incluíram no projeto a tipificação do crime de abuso de autoridade para magistrados e integrantes do Ministério Público.
Para Gueiros, a aprovação das medidas da forma como estão afasta o Brasil de dois tratados internacionais em que o país se comprometeu com o combate à corrupção: a convenção da ONU, de 2006, e a Interamericana, de 2002. O procurador explica que, nos dois casos, os países signatários se comprometem a criminalizar o crime de enriquecimento ilícito de servidor público, quando fica constatado que houve uma uma evolução patrominial em desacordo com a renda apresentada.
– Os países podem assinar as convenções e fazer reservas a algum artigo. O Brasil não fez reservas – explicou Gueiros, afirmando que o país, então, se comprometeu a criminalizar o enriquecimento ilícito e que já está “em atraso” com relação ao tratados. – É completamente descabido terem retirado essa parte (do enriquecimento ilícito). Temos dezenas de casos que a gente vê todos os dias de políticos com um padrão de vida distanciado da renda – completou.
Os deputados também retiraram do pacote anticorrupção o aumento do prazo de prescrição dos crimes, o que, de acordo com o procurador, também afasta o país das convenções internacionais.
– As convenções falam de uma duração razoável do processo e que seja respeitada a eficácia das decisões judiciais. As decisões judiciais não têm eficácia quando ocorrem essas manobras e recursos, com o objetivo de impedir a execução da pena – declarou o Gueiros.
Um terceiro ponto que vai contra os compromissos assumidos internacionalmente pelo país está a previsão de punir magistrados e integrantes do Ministério Público por crime de abuso de autoridade. Para Gueiros, existe uma tendência de fortalecer a atuação do Minsitério Público, o que é contrariado pelo pacote aprovado na Câmara.
O pacote segue para o Senado. O presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse nesta quarta-feira que as medidas tiveram o “tratamento que deveriam ter recebido”. O peemedebista afirmou que, das dez medidas originais, a única que valia era a do aumento da pena para crimes de corrupção, afirmando que as demais só poderiam ser adotadas “no fascismo” e não no Estado Democrático de Direito. Renan afirmou que não há pressa para votar o pacote no Senado e que a prioridade é a votação da Lei do Abuso de Autoridade, no próximo dia 6.