Cotidiano

Pacientes buscam na Justiça direito a medicamentos importados

Medicamentoss _Anvisa.jpgRIO ? A importação de medicamentos que ainda não são comercializados no Brasil tem sido a esperança de pacientes com doenças raras ou sem evolução no uso de terapias tradicionais. A expectativa de muitos ainda esbarra nos valores exorbitantes desses medicamentos e nas negativas de planos de saúde. E como o processo de autorização de venda no país pode chegar a quatro anos, a forma encontrada pelos pacientes é usar a via judicial para receber os remédios. Entre os fármacos sem registro no país, por exemplo, estão Unituxin e Leukine, que aparecem como opções para tratar cânceres agressivos.

Loraine Blender não dispõe de tempo e nem de dinheiro. No ano passado, recebeu a notícia de que sua filha Rafaela, de 8 anos, estava com um neuroblastoma, um tipo de câncer de alto risco localizado na glândula suprarrenal. A menina, então, precisaria de um transplante de medula com urgência, utilizando as próprias células-tronco.

? No ano passado, após um feriado de Sete de Setembro prolongado, descobrimos que a Rafa estava com câncer. Eu pensei: por que comigo? Por que minha filha precisa sofrer dessa maneira? Meu mundo virou de pernas pro ar. Rafa, desde então, não frequenta mais a escola e vem apresentando uma força indescritível, tanto que não teve qualquer intercorrência durante o tratamento. Não nego que perdi o chão diante da notícia da doença da minha filha, mas isso nos uniu mais ainda, redobrando a força pra lutar em busca da cura dela, que é o único objetivo.

A menina já passou por uma cirurgia para retirar o tumor. A segunda etapa é limpar a medula de qualquer célula cancerígena para conseguir realizar o transplante. No seu caso, o medicamento indicado é o Unituxin, que pode aumentar a chance de cura de 20% para 60%. Sem recursos financeiros, Loraine criou uma campanha nas redes sociais para arrecadar uma quantia para comprar o remédio. Para o tratamento, Rafaela precisa de 36 ampolas, algo em torno de R$ 1 milhão (cada ampola do Unituxin custa US$ 8.750 mil). A família arrecadou, até o momento, R$ 216 mil.

Segundo Loraine, a negativa do plano de saúde de fornecer a medicação não foi o primeiro obstáculo: eles já haviam negado um simples exame de petscan. Diante do custo e a dificuldade para arrecadar a quantia, Loraine decidiu buscar ajuda judicial para que o plano de saúde oferecesse a droga. A esperança surgiu ao descobrir que um amigo, que também tem uma filha com a mesma doença de Rafaela, conseguiu parecer favorável da justiça. No fim do ano passado, Loraine conseguiu o direito de ter as ampolas custeadas pelo convênio.

? Com a negativa em mãos, fomos em busca de um direito que não sabíamos que tínhamos, obtivemos sucesso na ação. Agora, estamos aguardando a qualquer momento a chegada do medicamento.

As duas drogas já foram aprovadas pela Food and Drug Administration (FDA), órgão americano que testa e regulamenta alimentos e medicamentos antes da comercialização. Nos Estados Unidos, o Unituxin está disponível há quase um ano, e o Leukine, há três anos. No Brasil, o medicamento ainda não é vendido por falta de autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A falta do aval da agência reguladora é a justificativa das operadoras para negarem o fornecimento da droga.

De acordo com o advogado Marcos Patullo, do escritório Vilhena Silva Advogados, responsável pela ação, a lentidão no processo de aprovação de um medicamento não pode se tornar uma barreira para que os pacientes tenham acesso rápido a novas drogas que podem até salvar vidas. Patullo ainda afirma que as ações questionando cobertura do plano de saúde aumentam a cada dia e uma das causas é a dificuldade de reduzir o período para que os medicamentos sejam aprovados:

? No Brasil, o acesso a medicamentos importados que ainda não foram aprovados pela ANVISA é um dos temas mais recorrentes no Poder Judiciário. Não há dúvidas que o excesso de burocracia na aprovação desses fármacos é extremamente prejudicial aos consumidores, que não possuem alternativa, a não ser ingressar com ações judiciais.

O advogado reforça que questões administrativas não podem prejudicar o acesso a esses medicamentos, uma vez que muitos destes pacientes estão acometidos por doenças graves e não podem aguardar anos até que o Estado definitivamente aprove a comercialização dos mesmos em território nacional. Por essa razão, a negativa de cobertura das operadoras sob esse fundamento deve ser considerada abusiva e não pode ser aceita pelos consumidores.

Procurada, a Abramge ? Associação Brasileira de Planos de Saúde ? informou que orienta suas associadas a cumprirem integralmente o rol de procedimentos obrigatórios da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), bem como todas as determinações previstas pela lei brasileira. Em nota, a entidade afirma que não é contra a incorporação de novas tecnologias e procedimentos ao rol da ANS, tais como medicamentos. No entanto, pondera a necessidade de análise prévia de custo-efetividade, de modo a não prejudicar a sustentabilidade do sistema, assim como o acesso da população aos planos de saúde.

?A Abramge defende que, antes da incorporação indiscriminada de procedimentos, o sistema de saúde brasileiro deve primar pela medicina de evidência e programas de promoção de saúde e prevenção de doenças, que garante melhores resultados com um gerenciamento melhor das despesas assistenciais?, diz o comunicado.

A entidade diz ainda que o fenômeno da judicialização é extremamente prejudicial à saúde brasileira:

?Dados do SUS e das operadoras de planos de saúde demonstram que tanto o setor público quanto o privado gastam mais de R$ 1 bilhão por ano, em grande parte, para o cumprimento de decisões judiciais concedidas visando o acesso a procedimentos que não estão incluídos no rol de procedimentos obrigatórios da ANS, privilegiando poucos indivíduos que têm condição de pagar os honorários de bons advogados?, completa a nota da Abramge.