RIO ? Desde que estreou, em 1977, o espetáculo musical ?Os Saltimbancos? voltou diversas vezes aos palcos ? de onde não sai há 25 anos. As canções dos italianos Luiz Enriquez Bacalov e Sergio Bardotti, adaptadas para o português e para o teatro por Chico Buarque, ganham agora as livrarias. Com ilustrações de Ziraldo, a publicação da editora Autêntica transpõe para o papel o universo que cativou crianças ? e adultos ? por diferentes gerações, mantendo as letras originais da peça encenada pela primeira vez há quatro décadas, com Miúcha, Grande Otelo, Marieta Severo e Pedro Paulo Rangel, entre outros.
Eles interpretavam, respectivamente, a Galinha, o Jumento, a Gata e o Cachorro ? quatro bichos que tentavam fugir dos trabalhos forçados impostos por seus donos para formar um conjunto musical. Uma alegoria política que continua atual.
? Cada bicho representa um papel, com um toque de insubordinação, de esperança. Um basta! ? diz Maria Amélia Mello, editora do livro. ? Como disse o Jumento: ?O melhor amigo do bicho é o bicho?. A primeira lição do dia. Ou quando cantam todos juntos: ?Todos juntos já nascemos fortes/ somos flecha e somos arco/ todos nós no mesmo barco/ não há nada pra temer?. Enfim, perseguir os sonhos, a liberdade. Isso lembra alguma coisa, não? Não só nos anos 1970, mas é inspiração que vai tecendo, ainda hoje, o nosso cotidiano em busca de solidariedade e de respeito. E, olha, não é nada fácil…
Os animais da história, livremente inspirada no conto ?Os músicos de Bremen?, dos Irmãos Grimm, foram reinterpretados pelo traço característico de Ziraldo. O desenhista assistiu apenas à primeira montagem (ou seja, há 40 anos) e lembra vagamente do espetáculo. Por isso, recriou tudo ao ?estilo Ziraldo?.
? O Chico sabe do que as mulheres gostam, mas eu sei do que as crianças gostam ? brinca ele. ? A soma deve dar algo certo. Gosto demais do texto da peça, sou admirador do Chico, e fiz tudo com muito prazer, caprichado.
A história de sucesso de ?Os Saltimbancos? é curiosa e inesperada. Como lembrou o próprio compositor, em um vídeo recente sobre a peça, tudo começou como um agradecimento ao amigo Sergio Bardotti, que traduziu diversas de suas canções para o italiano e ajudou a difundi-las no exterior. Para retribuir, Chico resolveu adaptar o disco ?I musicanti?, com música de Luis Enríquez Bacalov e letras de Bardotti.
CORO DE CRIANÇAS
Ninguém imaginava que o despretensioso álbum vendesse tanto. Em pouco tempo, foi transformado em musical, que estreou no Canecão em clima íntimo e familiar. Afinal, Miúcha era irmã de Chico; Marieta, esposa; e as crianças do coro eram todas de famílias próximas: Bebel Gilberto, filha de João Gilberto e Miúcha; Isabel Diegues, de Cacá; e Alexandra Marzo, de Claudio Marzo e Betty Faria.
?A partir daí surgiram varias montagens aqui ali?, conta Chico, no mesmo vídeo. ?Foi uma surpresa para todo mundo, já que o disco italiano não fez sucesso, e só aqui essa história vingou?.
A atriz e diretora Maria Lucia Priolli era criança quando assistiu à primeira versão do musical. Ao ver os bichos em cena, pensou: ?É isso que quero fazer.? E é isso que ela tem feito. Desde 1992, Maria Lucia dirige e atua ? no papel da Gata ? naquela que é a montagem mais duradoura de ?Os Saltimbancos?. Em 2017, completa um quarto de século.
? Fiz essa peça a vida inteira porque ela é incrível ? ela diz. ? O texto trata a criança com respeito e não daquela forma tatibitate. Fala de respeito aos animais e ao próximo, mas sem ser didática. Já teve avó que veio me dizer emocionada: ?levei minha filha quando ela era pequena e agora estou levando minha neta.?
Ainda em março, a Autêntica deve lançar mais um livro infantil de Chico, ?Chapeuzinho amarelo?, publicada em 1970, também com ilustrações de Ziraldo, e que chega agora à sua 40ª edição. Maria Amélia, inclusive, sonha com a possibilidade de o compositor vir a lançar mais publicações do gênero.
? O Chico só escreveu, ou pelo menos, só publicou, dois livros para crianças ? diz a editora. ? Não sei ainda de seus planos, mas ficaria muito orgulhosa se ele topasse levar adiante uma ideia que tenho. Ou alguma coisa que ele gostaria de escrever.