?Tenho 55 anos, sou chef de cozinha em Québec. Participo do movimento da nova cozinha québecoise, de valorização de insumos e produtores locais. Aqui, provei a aguardente de mandioca, a Tiquira. Achei especial, diferente de tudo que tem no mundo. Também gostei do açaí, da tapioca e do pão de queijo. Têm identidade.?
Conte algo que não sei.
Todo o atum azul que o Canadá consumia vinha congelado do Japão e Boston. Esse é o maior e mais valorizado atum do mundo, e chega a pesar até 600 quilos. Há alguns anos, descobrimos que era pescado no nosso litoral e o comíamos congelado. Por quê? Fui atrás dos pescadores para conseguir peixe fresco. Mudamos essa cultura, ficando com parte do que é pescado, de forma ambientalmente correta. Todos ganharam. Devemos estar atentos aos efeitos da globalização.
A globalização é nociva?
Não. Há o lado positivo de circulação de mercadorias que, para um chef de cozinha, é espetacular. Mas não podemos deixar de lado o local e cometer incoerências como nesse caso do atum. As pessoas têm que parar de levar tudo de um país para o outro. Se estou no Brasil, não quero comer frutas europeias. Quero e devo aproveitar o melhor daqui, com frescor e sabor dos trópicos. Por isso, defendo que todos fiquem atentos ao produto local e prestigiem os produtores mais próximos. O sabor é muito diferente.
Você é um embaixador da gastronomia canadense. Como define a cozinha do país?
Recebemos imigrantes ingleses, irlandeses, franceses, italianos e judeus. Quando chegaram, misturaram-se as cozinhas, mas não havia uma unidade cultural. Por termos um inverno rigoroso, esses imigrantes aprenderam a conservar muitas coisas no verão para consumir nas estações mais frias. Um exemplo foi a defumação de peixes como esturjão, enguias e salmão ? que com a fumaça conservam-se por mais tempo. E guardamos blueberries, tomates e milho nos porões, que são como um freezer natural. Em sua essência, a cozinha canadense aproveita cada item, sem desperdício.
Qual o seu exemplo?
O peixe. Uso tudo. Tenho um prato que é somente a cabeça do peixe. Com os ossos, faço um caldo. Com as bochechas, que são gordurosas, um confit, e guardo para o inverno.
Como vê a glamurização da gastronomia?
Os jovens chefs querem ser estrelas, querem ser Madonna. É preciso ser simples, essa é minha filosofia. O chef deve ir ao campo, conhecer o processo de produção, tornar o camponês orgulhoso do seu produto, cuidar da cozinha. A nova geração precisa se preocupar menos com a exposição na mídia e estimular a produção local, o ingrediente fresco. Cozinhar com a sua cultura. O lado bom é que muitas pessoas são estimuladas a cozinhar. Até as crianças viraram cozinheiras!
O que achou dos jovens chefs que avaliou no Rio para o Bocuse D?Or?
Chefs estrelados, como Claude Troisgros e Laurent Suaudeau, estão envolvidos com a nova geração. Estão construindo juntos uma identidade para a gastronomia local. É admirável. E tudo com humor e descontração. É difícil ver isso na França, onde os cozinheiros são estressados e parecem infelizes. Fiquei encantado com a energia desses jovens.
E o que falta à gastronomia brasileira para despontar?
O Brasil precisa reconhecer suas riquezas, valorizar os ingredientes locais. Tornar o povo orgulhoso de seus produtos. Na França, o marketing começa no campo: todos querem visitar as plantações de uva, comer queijos direto dos produtores. E as pessoas estão orgulhosas ali. Todo mundo conhece o queijo camembert, os vinhos de Bordeaux. Esse processo tem que começar de dentro para fora. Se o brasileiro não acredita no seu produto, quem vai acreditar?