Cotidiano

Mostra em Buenos Aires reúne 16 manuscritos de Jorge Luis Borges

20160730-205723.jpgBUENOS AIRES ? Quem estudou em profundidade a obra de Jorge Luis Borges defende que, para o autor argentino, um livro nunca estava totalmente terminado. Para ele, os textos sempre podiam ser alterados, mesmo após publicados. Essa característica de um dos maiores nomes da literatura latino-americana de todos os tempos é confirmada na mostra que marca a estreia do escritor Alberto Manguel como diretor da Biblioteca Nacional argentina, em Buenos Aires: ?Borges o mesmo, outro?. Manguel conseguiu reunir 16 manuscritos do escritor que pertencem a coleções públicas e privadas ? alguns nunca antes expostos no país ? e que permitem entender um pouco da metodologia de trabalho do autor, morto em 14 de junho de 1986, em Genebra. links livros 30.7

A joia mais valiosa da exposição é o manuscrito de ?Pierre Menard, Autor do Quixote?, um dos contos do livro ?Ficções?, dos anos 1940. Trata-se, na opinião dos curadores Germán Álvarez e Laura Rosato, de um texto ?crucial? na trajetória de Borges.

? O manuscrito é de um americano que tem uma livraria nos EUA. Tê-lo aqui é um verdadeiro privilégio, foi uma gestão realizada pessoalmente por Manguel ? diz Álvarez.

precursor do ?cortar e colar?

Para Álvarez, esse conto ?é a primeira ficção realmente ambiciosa de Borges?. O escritor faz uma crítica literária sobre um autor ficcional, Pierre Menard, e sua tentativa de recriar o Quixote de Cervantes.

? Vemos ali um leitor obsessivo de outros autores e de sua própria obra. É interessante apreciar as primeiras edições corrigidas ? comenta Laura.

Borges usava cadernos de contabilidade, com folhas quadriculadas, para fazer suas anotações e correções intermináveis. Sua letra diminuta chama a atenção, assim como algumas das metodologias de trabalho. Uma delas, definida pelos curadores como ?cut and paste? (cortar e colar), parece ter sido uma espécie de antecipação do que fariam, muitos anos depois, programas de computador. Pedaços de papel numerados, com trechos de futuros livros, eram combinados de diferentes modos pelo escritor.

Um dos contos elaborados com essa metodologia borgeana de vanguarda foi ?Emma Zunz?, que está em ?O Aleph?.

? O conto foi dedicado a um amor impossível de Borges. Temos dois manuscritos, duas versões, com importantes variações semânticas ? diz Laura.

MAIS DE US$ 1 MILHÃO

Os manuscritos reunidos na mostra, que fica na instituição até dezembro, estão avaliados em mais de US$ 1 milhão. Manguel, que hoje ocupa o cargo exercido pelo próprio Borges entre 1955 e 1973, recorre a uma frase do autor irlandês Oscar Wilde (1854-1900) para falar de suas expectativas sobre a exposição.

? Quando propuseram a ele iniciar um tour pela Europa começando por Veneza, ele se negou, dizendo que depois de Veneza tudo seria uma desilusão. Espero que, iniciando minhas funções com esta mostra, não aconteça a mesma coisa ? observa ele, dizendo ainda que está preparando exposições sobre Shakespeare e Cervantes, cujos 400 anos de morte foram celebrados em abril.

Na mostra, também há manuscritos de Borges sobre o budismo, algo que, segundo os curadores, interessava-lhe ?como possibilidade filosófica e fonte de ficção?. E um vídeo com depoimentos de escritores contemporâneos, como Guillermo Martínez e Pablo De Santis, sobre a influência de Borges na literatura argentina.