Cotidiano

'Medicamento não é bala mágica', critica especialista em HIV/Aids

2015_837901621-leitores1.jpg_20150802.jpgRIO ? Embora o número de mortes relacionadas à Aids tenha caído 26,7% nos últimos cinco anos,
como mostra o relatório divulgado na terça-feira pelas
Nações Unidas, a taxa de novas infecções no mundo permanece quase a mesma. Em 2010, ocorreram 2,2
milhões infecções, e em 2015, foram 2,1 milhões. Para especialistas, isso evidencia que o grande gargalo no combate à epidemia de Aids é a prevenção.

aidsA queda na mortalidade se deve, segundo a ONU, a um aumento expressivo no número de pessoas tratadas com terapias
antirretrovirais. Se em 2010 apenas 7,5 milhões de pessoas com HIV recebiam
medicamentos ? o equivalente a 22,5% da população infectada na época ?, em 2015
a cobertura chegou a 17 milhões, isto é, 46% dos infectados. A marca ultrapassou
em dois milhões a meta da ONU para o ano.

No entanto, a queda no índice de mortes poderia ser bem maior caso novas infecções tivessem sido evitadas nos últimos cinco
anos. O coordenador de projetos da
Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), Veriano Terto Jr., critica o fato de o relatório do Unaids, Programa das Nações Unidas para a Luta contra a Aids, incentivar que parte expressiva dos investimentos globais seja no tratamento, e não na prevenção do vírus.

? Se as políticas públicas enfatizarem apenas o tratamento, deixando os
programas de prevenção como secundários, não será possível controlar a epidemia
de Aids em 2030, como a ONU estipula ? afirma ele. ? Não
se pode achar que o medicamento é uma bala mágica, que resolverá todos os
problemas. É preciso educação sobre DSTs (doenças sexualmente
transmissíveis).

Ele faz uma analogia com a situação da sífilis no Brasil. Os casos da doença não param de crescer, apesar de já existir medicamento poara tratá-la desde 1927.

? Não é a existência do medicamento, pura e simplesmente, que fará as pessoas não contraírem a doença e não sofrerem com ela. É preciso fortes políticas públicas de prevenção para combater doenças como a sífilis e a Aids ? avalia Terto Jr.

DESIGUALDADE DE GÊNERO

Segundo o relatório, o grupo de maior risco para o HIV é o de jovens e adolescentes,
sobretudo entre a população feminina. Mulheres de 15 a 24 anos representaram 20%
das novas infecções em 2015, apesar de serem apenas 11% da população
contaminada. De acordo com o Unaids, desigualdade de gênero, pobreza, violência e
obstáculos para educação das mulheres e para o acesso a serviços de saúde
reprodutiva estão na raiz dessa vulnerabilidade maior.

O objetivo da ONU é alcançar, até 2020, o modelo conhecido como ?90-90-90?:
diagnosticar 90% dos infectados pelo HIV, oferecer terapias antirretrovirais
para 90% dessas pessoas, e alcançar supressão viral em 90% dos pacientes que
recebem o tratamento.

BRASIL: 12 MIL MORTES em 2014

Um mecanismo de prevenção que deve ser aprovado ainda este ano para uso no
Brasil é a profilaxia pré-exposição (PrEP), uma pílula que reúne dois
antirretrovirais ? o tenofovir e a emtricitabina ? e que pode ser tomada
diariamente ou antes de uma relação sexual para evitar a contaminação pelo
vírus. A ideia é que ela seja indicada para pessoas que se relacionam com quem
tem HIV e para homens que fazem sexo com homens, grupo que reúne a maior parte
dos infectados no país. Essa pílula já é aprovada nos EUA e na Europa.

? Há estudos indicando que a PrEP
chega a ser mais eficaz do que a camisinha, mas quem for tomá-la precisa de
acompanhamento médico, porque pode provocar efeitos colaterais ? diz Paulo
Abrão, professor de Infectologia da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp).

O Brasil registrou 40 mil novos casos e 12 mil mortes em 2014, último ano com
dados divulgados. Ambos índices se mantêm estáveis em comparação com 2010. Para
José Valdez Madruga, coordenador do
Comitê Científico de HIV/Aids da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), o
estigma ainda é uma das principais barreiras no país.

? Existe muito preconceito com a
testagem, o que acaba atrasando o diagnóstico e, assim, o início do
tratamento.