RIO ? Uma das principais causas de morte ou deficiência no mundo, em especial em países de média e baixa renda, os derrames são em grande parte evitáveis. A conclusão é da segunda fase de um estudo global sobre a doença, batizado ?Interstroke?, publicada nesta sexta-feira na revista médica ?The Lancet?. Segundo os pesquisadores liderados por Martin O’Donnell e Salim Yusuf, dos Instituto de Pesquisas de Saúde Populacional da Universidade McMaster, no Canadá, dez dos maiores fatores de risco modificáveis respondem por mais de 90% dos episódios de acidente vascular cerebral (AVC), com apenas algumas pequenas variações regionais. Entre eles estão hipertensão, tabagismo, consumo de álcool, qualidade da dieta e sedentarismo.
– Este estudo tem tamanho e abrangência para explorar os fatores de risco dos derrames nas principais regiões do mundo e dentro de populações chave ? destaca O’Donnell. – Confirmamos que estes dez fatores de risco modificáveis estão associados com 90% dos casos de derrame em todas as regiões, nos mais jovens e nos mais velhos e em homens e mulheres. O estudo também confirma que a hipertensão é o mais importante fator de risco modificável em todas as regiões e deve ser o principal alvo para reduzir o fardo global dos derrames.
No estudo, os pesquisadores analisaram dados sobre a saúde de mais de 26 mil pessoas, aproximadamente metade vítima de derrames e outra metade de pessoas saudáveis com idade e gênero equivalentes, que serviram como grupo de controle. Os voluntários foram recrutados em 32 países da Europa, Ásia, Américas, África e Austrália, inclusive o Brasil.
Segundo os cientistas, se a hipertensão fosse eliminada, o número de derrames cairia quase pela metade, em 48%. Já a prática regular de exercícios cortaria os casos em mais de um terço, ou 36%, e dietas mais saudáveis reduziriam os episódios em quase um quinto (19%). Além disso, os AVCs diminuiriam em 12% se o tabagismo fosse interrompido; em 9% se houvesse um melhor controle das condições cardíacas; em 6% com um consumo mais moderado de álcool e menores níveis de estresse; em 4% com o controle do diabetes e em 27% com a redução dos níveis de gordura no sangue (o estudo usou como previsor do risco de derrames as chamadas apolipoproteínas, consideradas mais relevantes para o desencadeamento dos episódios do que o colesterol).
Muitos destes fatores costumam estar associados com outros, como obesidade e diabetes, e, quando combinados, o total como causa dos derrames para todos os dez chegou a 91%, com níveis similares quando subdivididos pelas várias regiões do mundo, idade e gênero dos participantes. Mas, ainda assim, algumas variações regionais se destacaram. O papel da hipertensão, por exemplo, foi desde cerca de 40% na Europa Ocidental, América do Norte e Austrália para até 60% no Sudeste da Ásia. Já o consumo de álcool também teve menor impacto na Europa Ocidental, América do Norte e Austrália, mas maior influência na África e no Sul da Ásia, enquanto o sedentarismo foi apontado como grande fator de risco na China. Por fim, o ritmo cardíaco irregular, ou fibrilação atrial, foi significativamente associado com os derrames do tipo isquêmico em todas as regiões, mas apareceu como fator de maior importância na Europa Ocidental, América do Norte e Austrália do que na China ou Sul da Ásia.
– Nossos achados vão guiar o desenvolvimento de intervenções globais de nível populacional para reduzir os casos de derrame, e como esses programas devem ser desenhados para cada região individualmente ? avalia Yusuf. – Isto inclui melhor edução para a saúde, alimentos saudáveis mais acessíveis, evitar o tabagismo e melhor acesso a medicações para a hipertensão e a dislipidemia (alterações nos níveis de gorduras no sangue).
Em comentário que acompanha o estudo, também publicado na ?Lancet?, as pesquisadoras neozelandesas Valery L. Feigin e Rita Krishnamurthi, do Instituto Nacional para Derrames e Neurociências Aplicadas da Universidade de Tecnologia de Auckland ressaltam que os resultados mostram que os AVCs são uma doença altamente evitável, independente do sexo e idade, e que a relativa importância dos fatores de risco modificáveis indica que se deve desenvolver programas de prevenção primária regionais ou específicos para cada etnia, embora ainda sejam necessários mais estudos para incluir países e grupo étnicos não contemplados no Interstroke.
?Agora é o momento de governos, organizações de saúde e indivíduos tomarem atitudes pró-ativas para reduzir o fardo global dos derrames. Governos de todos países devem desenvolver e implementar um plano de ação de emergência para a prevenção primária dos derrames?, escreveram.