Cotidiano

Envolvido em escândalos, futuro rei da Tailândia desperta desconfiança

BANGCOC ? Envolto em vários escândalos vinculados à sua vida pessoal, o príncipe e futuro rei da Tailândia, Maha Vajiralongkorn, terá que driblar a sua abalada popularidade para enfrentar o desafio de garantir a unidade nacional, num país dividido politicamente e sob forte influência do Exército. Vajiralongkorn pediu um tempo antes de ser proclamado o novo rei do país, após a morte de seu pai, Bhumibol Adulyadej, o monarca mais longevo do mundo, na quinta-feira. Ainda não se sabe quando o príncipe assumirá o trono. A única certeza é que a morte de Adulyadej mergulha o país em um período de incertezas e a transição não será fácil.

A sucessão ao trono da Tailândia foi centrada na figura de Vajiralongkorn há anos. Único filho homem de Bhumibol, o príncipe foi oficialmente designado herdeiro há mais de 35 anos, quando tinha apenas 20 anos, e desde então sempre viveu sob a sombra do pai. O fato de ele ter solicitado tempo antes de ser proclamado rei provoca inquietação entre os tailandeses.

? Agora tenho medo do que pode acontecer, que administração o país terá, que tipo de regime a longo prazo ? disse Anon Sangwiman, que trabalha para a empresa nacional de energia elétrica. ? Enquanto o rei estava vivo, o povo estava unido.

O príncipe herdeiro é menos conhecido e venerado pelos compatriotas que o pai e até agora morava a maior parte do tempo na Alemanha. Sua personalidade, ao que parece um pouco instável, também provoca debates, inclusive entre os conselheiros do palácio e os generais no poder, destacam os analistas.

Com o prazo solicitado pelo príncipe, ?já estamos nos desviando do que deveria ser uma sucessão normal?, destaca David Streckfuss, historiador especializado na Tailândia.

FAMA DE MULHERENGO

Vajiralongkorn estudou no Reino Unido e na Austrália. De volta à Tailândia, ingressou como oficial no Exército e foi nomeado comandante do batalhão da guarda pessoal de seu pai. Aqui termina a sua trajetória impecável, que começou a descarrilar por seus casos amorosos.

Primeiro, ele se casou com uma prima por parte de mãe. Em seguida, com uma aspirante a atriz, e mais tarde, com um funcionária de seu serviço pessoal. Os três relacionamentos terminaram com suspeitas de amantes e em divórcios ? o último anunciado oficialmente em 2014, com a então princesa Srirasmi. O relacionamento acabou tão mal que ela foi despojada de seus títulos reais e muitos de seus parentes foram presos por haver acumulado ilegalmente uma fortuna graças às suas ligações com a família real. Alguns sugerem que Vajiralongkorn, de 64 anos, iria se casar novamente.

A fama de mulherengo do príncipe é conhecida pelos tailandeses apesar de que as informações sobre a monarquia são praticamente inexistentes na mídia. O rei, a rainha e o príncipe herdeiro estão protegidos por uma duríssima lei que impõe duras penas de até 15 anos de prisão por atos de lesa-majestade, incluindo insultos, ameaças ou difamações. E, desde que os militares chegaram ao poder em 2014, processos judiciais por violação desta regra se multiplicaram.

Muitos tailandeses sugerem discretamente que prefeririam a irmã mais nova do príncipe, a princesa Maha Chakri Sirindhorn, como a nova rainha. Sua imagem ligada à filantropia, ao interesse pelas culturas estrangeiras e pela preservação do meio ambiente é antagônica à de seu irmão, mas a lei de sucessão dá prioridade aos homens.

A preocupação com o futuro da monarquia na Tailândia não é exclusividade dos cidadãos comuns tailandeses. Informações vazadas pelo Wikileaks também mostram dúvidas das elites e de autoridades estrangeiras sobre a idoneidade do príncipe para se tornar o novo rei. As raras vozes críticas da monarquia mencionam uma instituição desfasada em uma Tailândia moderna.

O embaixador dos Estados Unidos em Bangcoc entre 2007 e 2010 escreveu que, em conversa com três membros do Conselho Privado (órgão que assessora diretamente o rei), ?todos eles tinham comentários bastante negativos sobre o príncipe herdeiro?.

O diplomata também afirma que Vajiralongkorn ?é conhecido por suas violentas e imprescindíveis mudanças de humor? . Um ex-ministro de Relações Exteriores de Cingapura o rotulou de ?errático e facilmente influenciável?, além de sugerir que ele tinha problemas com jogo.

Na medida em que a saúde de Bhumibol piorava, os militares e o próprio príncipe começaram uma campanha para tentar limpar sua imagem. Mas apesar dos esforços, muitos veem como pouco provável que o príncipe seja capaz de ganhar a aura de semideus que teve seu pai durante suas sete décadas de reinado.

TAILANDESES SE DESPEDEM DO REI

Nesta sexta-feira, dezenas de milhares de pessoas começaram a caminhar em direção ao palácio para acompanhar a chegada do cortejo fúnebre do rei Adulyadej, que morreu na véspera aos 88 anos. O trajeto entre o hospital Siriraj e o palácio foi fechado ao trânsito.

Das pessoas que praticam esportes nas primeiras horas da manhã até os trabalhadores no metrô, todo o país se vestiu preto e branco, as cores do luto na Ásia.

A última década do reinado de Bhumibol foi marcada por uma grande instabilidade política, com dois grupos em disputa: as elite ultramonárquicas (identificadas como os ?amarelos?) e os partidários do ex-primeiro-ministro Thaksin Shinawatra (os ?vermelhos?).

O último de uma longa série de golpes de Estado, em maio de 2014, foi executado sob a alegação de proteger a monarquia. As Forças Armadas estavam preocupadas em blindar o cenário político com a aproximação da sucessão.