RIO ? Calmo e sereno, em suas próprias palavras, Teori Zavascki teve também seus momentos de fúria. Longe dos tribunais, foi numa quadra de futebol em Chapecó (SC) que o jovem Teori se envolveu em uma confusão após um jogo contra os principais rivais ? ?O Explosivo? era o sugestivo nome do time fundado pelo futuro ministro e os amigos de escola. ?O primeiro clássico foi um desastre, acabou em pancadaria e acabaram-se os dois times?, lembrou Teori, em entrevista inédita, parte do projeto ?História Oral do Supremo?, da FGV Direito Rio.
Na conversa, que aconteceu em agosto de 2014, o ministro, morto em um acidente aéreo na quinta-feira, relembrou as duas vezes em que recusou assumir cargos em Brasília, quando era advogado do Banco Central, e as reuniões de trabalho informais organizadas por Ellen Gracie na Serra Gaúcha, quando ambos eram juízes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).
Teori também criticou as discussões acaloradas entre ministros do STF durante as sessões e reforçou suas posições contra a proibição do financiamento privado em campanhas eleitorais e a favor da absolvição, por formação de quadrilha, de oito réus anteriormente condenados no mensalão.
Ao lembrar do dia em que se despediu do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Teori destacou a emoção: ?Eu nunca fui apegado a cargo, mas eu fui apegado a vida. A gente passa coisas boas e quando a gente vai para frente, vai deixando um pouco de si mesmo nos baús da história. É isso que emociona?.
DISCUSSÕES NO STF
Esse foi um momento (votação dos embargos infringentes do mensalão) que teve algumas discussões, para usar a expressão ?sanguíneas?. Quer saber a minha opinião sobre essas discussões sanguíneas, eu acho que isso não fica bem para o tribunal. Principalmente para o Supremo, televisionado ao vivo, acho que não fica bem.
JULGAMENTO DO MENSALÃO
Sinceramente, eu não tenho razões para acreditar que tenha sido um julgamento político
Eu participei desse julgamento na fase final (Teori participou, em 2014, das votações de embargos infringentes, recursos que foram apresentados por réus condenados no julgamento). Sinceramente, eu não tenho razões para acreditar que tenha sido um julgamento político, no sentido de que vamos condenar ou vamos absolver porque quero condenar ou por que quero absolver. Provavelmente, se eu tivesse participado, algumas coisas eu teria votado diferente do que foi (decidido pela maioria). Vou dar o exemplo do que acabei votando. Em relação ao crime de lavagem de dinheiro e ao crime de quadrilha, eu acho que na formulação teórica, eu teria votado diferente do que foi decidido. Mas depois disso nos embargos infringentes inverteu-se justamente por isso (oito réus foram absolvidos pelo crime de formação de quadrilha, e um foi absolvido da condenação de lavagem de dinheiro, na fase dos embargos). Agora dizer que por causa disso foi político ou não, não posso dizer isso.
STF AO VIVO
Acho que ela (transmissão ao vivo das sessões ) compromete, em muitos casos, a qualidade dos julgamentos. Porque de um modo geral já é difícil um juiz de tribunal voltar atrás nas suas convicções, mesmo quando um argumento de um colega seja muito convincente. Há uma natural resistência. E na frente da televisão, mais difícil ainda. E por outro lado eu acho que como a solução das causas, às vezes é muito difícil. Essas conversas informais, um ambiente menos tenso, ajudam a formar um julgamento melhor.
DEBATES INFORMAIS
A cultura do Supremo não é muito favorável a isso. De um modo geral, no STJ o ambiente é mais propício. Talvez porque não esteja sendo transmitido, pode ser. A gente troca ideias eventualmente com algum colega (no STF), mas por enquanto não é da cultura. Acho que está se dando alguns passos para mudar isso. Mas tudo isso depende muito das relações, depende muito dos colegas.
CONVITE PARA O SUPREMO
Estava em Paris quando me ligaram, dizendo que a (então) presidente (Dilma Rousseff) queria falar comigo. Eu cheguei (a Brasília) num sábado, no domingo eu fui no Palácio da Alvorada, e ela me convidou. Não se falou em mensalão em nenhum momento. A presidente tem uma visão do STF que eu achei importantíssima, tem uma visão de altíssimo nível. Ela disse que estava me indicando porque gostaria de uma pessoa tranquila, que tivesse uma experiência de juiz, que fosse técnico.
NOMEAÇÃO EM MEIO AO MENSALÃO
Ninguém num primeiro momento falou: ?Ele foi escolhido por causa do mensalão?. Bom, mas aí tinha o problema, estava no período eleitoral, era setembro, e o Senado que tinha que fazer a sabatina, então eles queriam fazer antes dos tais recessos brancos. Então houve lá na Comissão de Constituição e Justiça um processo para fazer logo a sabatina. Isso começou a ser ligado com o problema: ?Estão querendo nomear logo porque vai participar do mensalão?. E aí não adiantava dizer que eu não podia participar desse julgamento porque ele já tinha começado. Insistiam. Está no regimento interno do Supremo: o juiz, quando começou o julgamento, só pode votar se der empate, e desde que se sinta habilitado. Em matéria penal, que era o caso, tinham dez juízes, e se der empate, essa hipótese não acontece, porque está lá também no regimento e na lei, que se der empate favorece o réu, então não tem hipótese de eu votar no mensalão. E foi isso que aconteceu, eu não participei do julgamento. Eu assumi, não tinha terminado, eu nem ia lá na sessão. Mais adiante, quando surgiram os embargos infringentes, aí foi pior, aí sim: ?foi escalado por causa dos embargos infringentes?. Eu fui indicado no começo de setembro, ninguém imaginava embargos infringentes, porque dependiam de ter quatro votos pela absolvição. Isso aconteceu só em outubro, novembro, não podia alguém em setembro imaginar que eu fosse escolhido para dizer que cabiam embargos infringentes, com quatro votos lá na frente. Também não adianta explicar.
FINANCIAMENTO PRIVADO
O argumento básico dessa tese (da proibição do financiamento eleitoral privado) é que as pessoas jurídicas não participam, não elegem, nem são eleitas. É como se as pessoas jurídicas fossem marcianos, fora da nossa vida social, que não empregassem pessoas, que não tivessem interesses. As pessoas jurídicas podem ter interesses, até para moldar um sistema econômico, reduzir carga tributária, então pode ter interesse em defender uma linha de parlamentares. E eu acho que não há uma proibição na Constituição de financiamento por empresa. O que há é um descontrole. Em nossa experiência histórica, até 1993, era proibido pessoa jurídica fazer doação no Brasil. E aí gerou o escândalo do PC Farias (ex-tesoureiro de Fernando Collor). Então no Congresso nacional se fez uma CPI, gerou essa investigação sobre o PC Farias, e entre outros resultados dessa CPI se gerou esse projeto de lei autorizando, em certos limites, doação de pessoa jurídica. Foi exatamente para moralizar o baile, foi para combater o episódio do PC Farias, que era numa época que era totalmente proibido. Curiosamente, agora nós estamos aqui discutindo a constitucionalidade disso e queremos voltar ao regime anterior. como se fosse a salvação da pátria, quando nós temos essa experiência histórica. Eu acho até que, na medida em que se restringe o financiamento privado, se vai conduzir a informalidade, a não ser que se diminua custos ou método de campanha. (A entrevista aconteceu antes do fim do julgamento que proibiu a doação de empresas).
DETIDO NA DITADURA
Eu cheguei em casa e abri a porta e estava a polícia lá com metralhadora. Então eles me levaram
Eu morava numa república, num apartamento com mais quatro colegas. Alguns mais engajados (politicamente) do que eu. Pelo apartamento passavam de vez em quando alguns clandestinos, mas eu não sabia quem era nem quando chegaria nem quando sairia. Então a gente se engajava lateralmente. Isso foi por um bom tempo, até que um dia um desses abrigados foi preso, torturado, e ele tinha uma chave no bolso e era a chave do apartamento. A polícia bateu lá e nos levou a todos, num sábado de noite. Ficamos detidos 24 horas, interrogados. Eu cheguei em casa e abri a porta e estava a polícia lá com metralhadora. Então eles me levaram. Me lembro, era um fusquinha, obviamente sem nenhuma identificação. Claro que a gente sabendo das histórias que estavam acontecendo nos porões a gente se assusta. E chegando lá no Dops, chegamos num corredor, me lembro de ter sido empurrado, eu bati com a cabeça num extintor de incêndio que tinha no corredor.
CONVIVÊNCIA COM ELLEN GRACIE
A Ellen (Gracie, ex-presidente do STF) era uma grande administradora, aliás, ela fez uma bela gestão no Supremo também. E ela tinha coisas assim, a gente, por exemplo, se reunia, os juízes. A Ellen levava a gente lá para Serra, ela tinha lá um convento, era convento mesmo, a gente ia lá, ia sem a família, não iam os cônjuges. Os juízes ou juízas ficavam dois dias lá trabalhando, informalmente, mas trabalhando, fora do ambiente formal, ia com uma pauta, discutia. A única colher de chá que a Ellen nos dava é que de noite pagava um jantar numa cantina da Serra. Então a gente tomava as decisões lá e depois voltava e formalizava numa sessão normal. Mas as coisas a gente discutia e chegava mais ou menos a consensos em reuniões assim, de trabalho em fim de semana. Isso acontecia pelo menos uma vez por semestre a gente fazia isso, era muito bom, muito produtivo.
PANCADARIA NO CLÁSSICO
Nós tínhamos uma dissidência lá porque nós tínhamos muita garra e pouca técnica, então tinha um grupo que não era escalado na seleção principal (do colégio), então nós fundamos (o time de futebol). O Explosivo foi formado pelos remanescentes, mais ou menos reservas da seleção do colégio, mas nós tínhamos muita garra, e imediatamente nossos adversários fundaram O Extintor. O primeiro clássico foi um desastre, acabou em pancadaria e acabaram-se os dois times.
DESPEDIDAS DO TRF-4 E DO STJ
Eu sou muito de chorar, eu choro com facilidade. Eu chorei quando saí do TRF. Eu me lembro sempre do (ex-senador José Paulo) Bisol, acho que falei isso naquele meu discurso (de despedida do STJ), Quando ele (Bisol) fez o discurso de despedida no Tribunal de Justiça, fez um discurso belíssimo, dizendo isso: quando a gente se despede, a gente está se despedindo de si mesmo. Aquele Teori, ministro do STJ, acabou-se, foi embora. Então a gente se despede um pouco de si mesmo, isso que emociona. Eu nunca fui apegado a cargo, mas eu fui apegado a vida, a gente passa coisas boas e quando a gente vai para frente, vai deixando um pouco de si mesmo nos baús da história, é isso que emociona.