É difícil falar de Ulysses Guimarães. Ele enfrentou a ditadura militar quando tinha tudo para se unir a ela. A maioria esmagadora de seus companheiros de PSD aderiu ao jugo militar.
Falar de sua trajetória é necessário, nos dias de hoje, quando milhões de homens e mulheres jovens se iniciam na política. Sobretudo, porque uma parte destes milhões rejeita a atividade política democrática como instrumento de transformação.
Mas Ulysses não. Remou contra a maré e, certamente, hoje estaria lutando para mudar a direção dos ventos. Foi o que fez em 1964, quando houve o golpe militar. Ulysses se filiou ao MDB e em poucos anos se transformou em seu principal líder. Manteve esse partido de pé e unido a duras penas. No início da década de 70, uma ala do MDB, os Autênticos, defendia a sua autodissolução. Enquanto outros, para sobreviver, faziam silêncio. Um deputado gaúcho chegou a dizer: ?Em boca fechada não entra mosca.?
Sua capacidade de articulação manteve o MDB e foi nessa condição que, em 1974, concorreu, no colégio eleitoral, dominado pela Arena contra a candidatura do general Ernesto Geisel. Ele era, então, o anticandidato e percorreu o Brasil ao lado do presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Barbosa Lima Sobrinho. A derrota era certa, mas serviu para plantar uma semente. E, por isso, dez anos depois, virou o símbolo de outra luta popular.
O apoio da sociedade à oposição cresceu. A população foi às ruas pedir eleições ?Diretas já?. Ulysses foi batizado de o Senhor Diretas. Mas as eleições livres só ocorreram depois da Constituinte de 1988, a ?Constituinte Cidadã?, da qual foi o grande timoneiro.
A maioria dos que viveram aquelas épocas de intensa euforia não consegue esquecer o Doutor Ulysses, como todos o chamavam, segurando com os dois braços acima da cabeça um exemplar da nova Constituição. Era como se levantasse a taça da Copa do Mundo.
Mas ele não chegou a dar a volta olímpica e nem desfilar no carro de bombeiros. Seus companheiros, a quem nunca negou estender as mãos, o deixaram só na pista e lhe retiraram a escada. A ingratidão deixa marcas e mágoas. Isso é comum na política e a elas assistimos todos os dias.
Foi dramático o encontro em que os governadores do PMDB tentaram tirá-lo da sucessão. O governador de São Paulo, Orestes Quércia, e os demais eram contra a candidatura de Ulysses. Mas Quércia colocou como condição que coubesse aos outros a tarefa de convencer Ulysses a se retirar. Determinado, não arredou pé. Puxaram-lhe o tapete. O partido se dividiu entre Mário Covas, Leonel Brizola, Lula e Fernando Collor. Está lá, nos mapas estaduais de votação.
Ele já estava calejado. Aquela não teria sido a primeira vez que os sonhos políticos de Ulysses eram abortados por aqueles que deveriam lhe dar apoio. Ninguém sonhava com a ditadura militar, instalada pelo golpe de março de 1964. O ex-presidente Juscelino Kubitschek, também do PSD, sacrificou a candidatura de Ulysses ao governo paulista na expectativa que ficassem a seu lado na sucessão o presidente Jânio Quadros (PTN) e o então governador, Carvalho Pinto (PDC).
Mas, voltando aos anos 80. O candidato do PMDB e seu maior líder, Ulysses Guimarães, enfrentou uma campanha desgastado pela crise econômica e uma inflação galopante. Foi às ruas pedir votos carregando as contradições do governo Sarney, que não tinha a simpatia do PMDB. Acabou em sétimo lugar e com menos de 5 % dos votos.
Muitos foram os jornalistas que tiveram o privilégio de conviver, de perto, com Ulysses. Não quero ser injusto; peço compreensão e perdão. Os passos de Ulysses, até quando foi colocado à margem, tiveram o acompanhamento profissional (e, porque não dizer afetivo), quase que solitário do colega Jorge Bastos Moreno. O anticandidato. O Senhor Diretas. O Doutor Ulysses. Moisés.