BRASÍLIA – Em parecer encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Advocacia Geral da União defendeu a anulação de uma resolução do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que autoriza o pagamento de auxílio-moradia a procuradores e promotores. Entre outros pontos, a AGU, que fala em nome do governo federal, diz que o benefício é uma forma de tentar ganhar mais que o teto constitucional, hoje fixado em R$ 33.763. Assim, a norma viola os princípios constitucionais da razoabilidade e da moralidade.
“Destaque-se, ademais, que, ao qualificar a ajuda de custo para moradia como espécie de verba indenizatória, o Conselho Nacional do Ministério Público objetiva subtrair referida parcela pecuniária da incidência do teto constitucional e do regime de remuneração por subsídio”, diz trecho do parecer da AGU, assinado pelo advogado-geral da União substituto, Paulo Gustavo Medeiros Carvalho, pela secretária-geral de Contencioso do órgão, Isadora Maria Cartaxo de Arruda, e pelo advogado da União Caio Sundin Palmeira de Oliveira.
Mais adiante, eles acrescentam: “A mera nomenclatura atribuída a determinada verba pecuniária não é suficiente, no entanto, para modificar sua natureza. O pagamento da ajuda de custo para moradia, na forma em que estabelecido pela resolução atacada, evidencia sua efetiva caracterização como parcela de cunho remuneratório e, como tal, se revela incompatível com a remuneração em parcela única prevista no § 4° do artigo 39 da Constituição de 1988?.
O documento foi juntado a uma ação apresentada pela Associação Nacional dos Servidores do Ministério Público (Ansemp). O relator é o ministro Luiz Fux. A entidade ? que representa os técnicos e analistas do Ministério Público, mas não os procuradores e promotores ? questiona uma resolução de 7 de outubro de 2014 do CNMP. Na avaliação da Ansemp, o auxílio é pago a muitos procuradores e promotores. Segundo a entidade, isso mostra que se trata, na prática, de um complemento salarial disfarçado de verba indenizatória.
Ainda de acordo com a AGU, é preciso que o Congresso Nacional aprove uma lei para o pagamento do benefício aos procuradores. No caso dos promotores, é necessário que cada Assembleia Legislativa estadual faça o mesmo. Não basta apenas uma resolução do CNMP. A AGU também diz que o pagamento deveria ser restrito a alguns poucos casos, em que realmente seja necessário. Hoje, ele é concedido de forma indiscriminada aos integrantes do Ministério Público.
“Desse modo, além de não conter respaldo legal, o pagamento indiscriminado da ajuda de custo para moradia a todos os membros ativos do Parquet (Ministério Público), ressalvados, exclusivamente, aqueles que disponham de imóvel funcional condigno, subverte a natureza dessa vantagem pecuniária, que deixa de ser indenizatória e transitória para ter caráter permanente”, diz trecho do parecer da AGU.
A Ansemp não é contra acabar totalmente com o auxílio, mas quer que os beneficiários comprovem as despesas. Também pede que o benefício seja restrito a procuradores e promotores que estejam fora de seu domicílio habitual. É o caso, por exemplo, de um integrante do Ministério Público que está lotado numa cidade, mas é deslocado para trabalhar em outra.
Em fevereiro, o procurador-geral da República e presidente do CNMP, Rodrigo Janot, em documento entregue ao STF, defendeu o pagamento de auxílio-moradia. Na prática, o benefício, no valor de R$ 4.377,73, infla os salários de muitos procuradores e promotores. Segundo Janot, o auxílio-moradia não é salário disfarçado. Isso porque o benefício não é pago em cidades onde há imóveis funcionais, e tampouco é repassado a procuradores e promotores aposentados. Além disso, no caso de integrantes do Ministério Público que são casados ou mantêm relação estável, o casal recebe apenas um auxílio, em vez de dois.
“A ajuda de custo, como sabido, destina-se a indenizar o magistrado judicial ou do Ministério Público a não disponibilidade de imóvel funcional na localidade onde exerça a suas funções. Se tivesse caráter remuneratório, como proclama a autora, seria inconcebível excluir a sua percepção por membro do Parquet (Ministério Público) casado ou em união estável com outro integrante da carreira”, escreveu Janot no parecer entregue em fevereiro.
A resolução do CNMP foi editada pouco depois de decisões do próprio ministro Fux liberando, em setembro de 2014, o pagamento do auxílio a juízes de todo o Brasil. Janot alega que é preciso manter a isonomia entre juízes e integrantes do Ministério Público. Mas antes mesmo das decisões de Fux, o pagamento do auxílio já era comum no Ministério Público. A Ansemp tem avaliação bem diferente de Janot, destacando que outras carreiras não tem o mesmo tratamento.
“Todos os cidadãos devem retirar o custo de sua moradia através de seu próprio salário,sem que para isso precise ser indenizado. É assim para o analista ministerial, o técnico ministerial, o médico, o professor, o policial etc.”, ressaltou a entidade. A Ansemp acrescentou que o valor ? R$ 4.377,73 ? é suficiente para o pagamento de aluguel de imóveis de luxo, o que constitui “uma situação deveras constrangedora”, em especial num país que passa por uma crise econômica.
A Ansemp qualificou o pagamento do auxílio moradia como “verdadeiro escárnio” e “verdadeira afronta aos princípios constitucionais da legalidade, da igualdade, da eficiência, da finalidade e da moralidade, exigindo prontas e eficazes medidas corretivas”. A entidade argumentou ainda que o tema só poderia ser regulamentado por lei, e não por resolução do CNMP. Janot discordou e disse até mesmo que o pedido deve ser negado sem sequer ser analisado. Isso porque a Ansemp reúne servidores do Ministério Público, mas não promotores e procuradores, que serão os afetados por uma eventual decisão proibindo o pagamento.
A ação que questiona o pagamento do auxílio foi apresentada em 25 de janeiro pela Ansemp. A entidade pediu uma liminar, mas Fux não tomou nenhuma decisão sozinho. Ele resolveu que o caso deve ser analisado diretamente pelo plenário, do qual fazem parte também os outros ministros do STF.