“Sou jornalista, mas gosto mesmo é de marcenaria. Gosto de fazer móveis, cadeiras, e minha ética como marceneiro é igual à minha ética como jornalista – não tenho duas. Não existe uma ética específica do jornalista: sua ética é a mesma do cidadão. Suponho que não se vai esperar que, pelo fato de ser jornalista, o sujeito possa bater a carteira e não ir para a cadeia.”
O trecho acima faz parte de uma reunião de depoimentos e textos do jornalista Cláudio Abramo (1923-1987), que compõem o livro A Regra do Jogo: o Jornalismo e a Ética do Marceneiro (Cia das Letras, SP, 1988). Abramo foi um dos grandes nomes da imprensa brasileira. Sua definição é sucinta e instigante. A ética do profissional, seja ele qual for, é a mesma do cidadão. Essa relação continua valendo quando se trata de empresas. Mas apenas a retidão de cada funcionário, de cada dirigente, é garantia de que empresas não cometam desvios?
Minha resposta é não. Se as esferas da vida pessoal formam uma intrincada teia de relações e interesses, o que dizer do mundo corporativo? Acho, sim, que empresas precisam de baliza, da luz amarela indicando perigo e da vermelha sinalizando que aquele avanço é ilegal. Empresas necessitam deixar claro aos seus colaboradores e à sociedade quais são as regras do jogo, o que pode e o que é falta.
Mais de uma década depois da morte de Abramo, o Brasil começou a conhecer com detalhes como vícios na conduta de entes públicos e privados atingem a sociedade. Primeiro foi o Mensalão e depois a Operação Lava Jato, que colocou a questão ética e os sistemas de controle de desvio na agenda nacional, ao revelar as relações espúrias entre políticos e empresas, privadas ou estatais. A Lava Jato teve um caráter didático ao mostrar o quanto malfeitos, facilidades seletivas e vantagens indevidas destinadas às empresas que faziam parte do butim foram danosos à saúde do mercado e à economia nacional.
Quem não se lembra da “famosa” Seção de Operações Estruturadas, da construtora Odebrecht, que tinha tal nome porque as propinas eram pagas de forma “estruturada” (dividida) em inúmeros depósitos, a fim de evitar ou dificultar uma eventual investigação (aliás, sobre esse assunto recomendo o filme A Lavanderia / The Laundromat, da Netflix).
O que quero dizer, na qualidade de presidente de uma associação empresarial, é que o comportamento aético de uma única empresa tem o poder de enfraquecer o tecido econômico em que as demais operam, funcionando como um câncer que contamina tudo à volta.
Uma empresa que não paga os impostos, por exemplo, ganha uma vantagem competitiva indevida: é capaz de ofertar produtos similares às suas concorrentes por um preço menor. Quem paga os impostos corretamente perde market share e para de ofertar. No limite, se estamos falando de ampla gama de produtos, a empresa que joga limpo simplesmente é deslocada do mercado.
O mesmo fenômeno acontece quando uma empresa burla as normas de qualidade de um produto. Quem coloca no mercado artigos de desempenho inferior promove concorrência desleal e prejudica o consumidor. Esse consumidor leva para casa um produto de baixa durabilidade, que não oferece o desempenho esperado, e que pode colocar em risco a segurança de quem o utiliza – você viajaria num elevador fabricado fora das especificações que regem o segmento? Além disso, a empresa pirata pode provocar uma corrida por “desespecificação”: para concorrer diminuo a qualidade de meu produto e amplio a oferta de produtos ruins.
Comportamentos antiéticos de empresas funcionam como uma espiral descendente, um redemoinho que suga os que estão em volta. Afinal, desvios de conduta raramente são uma prática isolada. Geram, na maior parte dos casos, uma cadeia de delitos. Um produto fabricado fora da norma, por exemplo, tem de ser aprovado por alguém, cujo silêncio precisa ser comprado. O não pagamento de impostos pode ser descoberto por um fiscal, cuja vista grossa terá um preço, e, assim, sucessivamente.
A solução? A resposta não é simples. A conduta de seus membros é uma das principais e mais delicadas questões que se colocam para qualquer associação de classe. A Abal (Associação Brasileira do Alumínio) acredita em uma conduta ética e realiza um esforço contínuo com as associadas pela observância do Código de Conduta que rege o segmento. Além disso, estimulamos os nossos associados a adotar a vinculação do Código para os seus stakeholders – clientes e fornecedores. Trata-se de uma solução simples e eficaz. Além de reforçar os seus controles internos, nossos associados podem expandi-los aos seus relacionamentos com fornecedores e clientes, reforçando práticas éticas e de responsabilidade social.
Buscamos um ambiente isonômico (a level playing field), em que as melhores práticas e as empresas mais produtivas prosperem e que a sociedade compartilhe de um ambiente mais justo e dentro do império da lei. Uma ética seguida por todos, sejam empresas, cidadãos, jornalistas ou marceneiros.
Milton Rego é presidente executivo da Abal (Associação Brasileira do Alumínio) desde julho de 2014