Na próxima década, mais de 60% dos professores em atividade no Brasil poderão se aposentar. A mudança demográfica que está em curso no País demanda uma nova forma de pensar a carreira na educação. A análise Como melhorar a educação? – conduzida pelo Instituto Alfa e Beto – aponta que o desafio do magistério no Brasil não reside unicamente no currículo dos cursos de formação ou nos salários; o impasse está em como criar novas e atraentes carreiras para os jovens recém-formados, o que inclui mecanismos para que esse profissional tenha acesso a diferentes maneiras de continuar aprendendo. E aprender é uma demanda clara entre os professores, sobretudo os mais jovens.
Com mais de 2,2 milhões de docentes no País, a percepção é que a valorização do profissional da educação está em um conjunto de estratégias cujo ponto central é o apoio à formação continuada.
A pesquisa Profissão Professor – liderada pelo movimento Todos pela Educação com mais de 2 mil professores brasileiros de educação básica e ensino médio, em junho de 2018 – apontou que 69% dos educadores defendem que dar mais oportunidades de qualificação aos docentes que estão na ativa é a medida mais eficaz para a valorização da profissão pela sociedade. Apesar de haver outras questões importantes como a valorização salarial do professor, é relevante saber que ele quer ser visto como um profissional inovador e bem preparado.
Quando pensamos em como tornar a profissão atraente para os jovens brasileiros, podemos buscar inspiração em países com reconhecida qualidade na educação. Em algumas nações, os jovens primeiro se formam em um curso superior e, posteriormente, são cooptados para o magistério; para isso, recebem treinamento específico para ingressar na atividade.
No Chile, há 20 anos a carreira é pensada de maneira coordenada: desde a atração de jovens profissionais ao desenho da carreira; eles empreendem, inclusive, políticas para atrair os alunos do ensino médio – com melhor desempenho – para a profissão.
O Mapa da Aprendizagem aponta que o cenário para atrair jovens para a profissão é desafiador. Em cinco áreas avaliadas pela plataforma que compara as médias de aprendizagem dos estudantes no Pisa 2015, os alunos brasileiros que manifestam a intenção de serem professores têm desempenho inferior aos que querem seguir outras carreiras. Enquanto 14,5% dos estudantes que querem seguir outras profissões têm desempenho adequado em Matemática, os que seguirão a docência apresentam índice de 6,8%. Nos países que se destacam pelos sistemas de ensino, a situação é diferente: no Japão, por exemplo, 85% dos alunos que esperam seguir a carreira docente têm desempenho adequado em matemática, contra 80,7% dos que esperam seguir outras profissões.
Na prática, o País demanda dados mais aprofundados para termos um repertório mais acurado; precisamos saber, por exemplo, os motivos desse péssimo desempenho em Matemática e qual seria esse valor em Língua Portuguesa.
Não tenho dúvida de que o professor é a peça-chave para a melhoria da qualidade da educação em qualquer país.
Jonah Rockoff, John Friedmane e Raj Chetty, professores da Universidade de Harvard, empreenderam uma pesquisa sobre educação, mobilidade social e desigualdade para investigar qual seria o mecanismo para que crianças vulneráveis possam ter melhores perspectivas na vida adulta.
O estudo mostrou que alunos expostos a bons professores na infância e na adolescência tiveram aumento na chance de cursar boas universidades; de terem melhores salários. Os bons professores também diminuíram o risco de gravidez indesejada na adolescência; e de os alunos, no futuro, viverem em locais violentos. Bons professores têm impacto positivo sobre o capital humano na vida adulta e no bem-estar social. Para isso, atrair jovens profissionais talentosos é essencial, além de apoiá-los no desenvolvimento contínuo – a chamada lifelong learning.
Convidado a palestrar em um evento de inovação, eu ouvi um desabafo de uma professora. Segundo ela, valorizar o professor passa por descrever esse profissional, sobretudo na mídia, com dignidade. Para essa professora, só há espaço para reportagens mostrando o docente superando todas as más expectativas para avançar no ensino. Ou seja, o professor super-herói.
Acredito que as escolas precisam rever os modelos de aprendizagem. Se o modelo tradicional não traz o engajamento do estudante no processo de aprendizagem, como ele vai engajar a escolha pela docência? Essa é uma questão que devemos responder.
Existe uma visão convencional de que o bom professor é aquele que transmite todo o conteúdo, entretanto, o que os jovens de hoje precisam não é a garantia de que a matéria foi dada; antes, trata-se da garantia de que esse aluno aprendeu; assimilou o conteúdo. Para além, temos que assegurar que os estudantes desenvolvam as habilidades importantes para que tenham oportunidade de escolha na vida futura, ou seja, possam escolher profissões que nem sabemos quais serão. Isso demanda um novo modelo de aprendizagem: saímos de um formato onde o foco do professor sai de mero “transmissor do conteúdo” para o que garante que o aluno vai aprender.
É urgente fazermos essa distinção, pois, se a escola conseguir valorizar esse profissional, abrirá espaço para que esse docente incorpore a rotina de estudar continuamente; ele vai ter que se adaptar a uma sala de aula muito diferente da que frequentou quando era aluno. Ao conduzir essa mudança, a escola dará o estímulo necessário para o professor abraçar o lifelong learning.
Hoje há algumas funções na educação – e na profissão do professor – que são pouco divulgadas: a de designer pedagógico, por exemplo. O docente de hoje precisa ir além: tem que usar a tecnologia disponível para otimizar tempo e desempenho; com isso, ter mais espaço para desenhar estratégias e experiências de aprendizagem que realmente façam sentido para a vida dos estudantes.
Em suma, o papel do professor é desenhar a melhor experiência para que um determinado grupo de alunos consiga aprender o que precisa. Pessoalmente, acho isso inspirador, pois traz uma nova dimensão para esse professor do século XXI.
Como mestre em Educação e com a experiência que adquiri em oito anos de atuação da Geekie – mais de 12 milhões de alunos e tendo convivido com milhares de professores -, entendo que, para melhorar a educação no Brasil, temos que apoiar os docentes e inspirar nossos jovens estudantes a pensar no magistério como uma alternativa de carreira.
Claudio Sassaki é mestre em Educação pela Stanford University e cofundador da Geekie