A RFB (Receita Federal do Brasil) sofreu corte de R$ 1 bilhão no orçamento de 2020. Recursos que vão comprometer atividades realizadas nas 117 delegacias, 30 alfândegas, 42 inspetorias, 327 agências e 25 postos de atendimento. Unidades devem ser fechadas. É importante ressaltar que esse corte não tem relação com salário dos servidores, mas com o pagamento de despesas da instituição com a manutenção de sistemas, de instalações, de equipamentos e de outros gastos essenciais ao funcionamento do órgão.
Para 2020, o orçamento previsto da RFB é de R$ 1,8 bilhão. O corte de 36% no orçamento afetará atividades do órgão que é responsável por garantir a arrecadação, a segurança e a agilidade no fluxo internacional de bens, mercadorias e viajantes, e que também contribui para a melhoria do ambiente de negócios e da competitividade do País.
A previsão orçamentária da RFB para o ano está no mesmo patamar de 2007, ou seja, é o mesmo executado pela RFB antes da criação da chamada “Super-Receita”, que incorporou a Receita Previdenciária e desconsidera a inflação dos últimos 13 anos, que foi superior a 70%.
Os contribuintes serão os mais prejudicados. Até a entrega das declarações do IPRF (Imposto de Renda Pessoa Física) pode ser afetada pela falta de recursos. O calendário de liberação das restituições e das declarações retidas em malha pode não ser cumprido em 2020. Isso porque a RFB tem caixa para manter o contrato com o Serpro somente até meados de abril. Após essa data, não há garantia para manutenção dos serviços de suporte em tecnologia da informação que são executados pelo Serpro e pela Dataprev. A interrupção desses convênios pode paralisar também atividades nas unidades da RFB e afetar a arrecadação de impostos e da contribuição previdenciária.
Os reflexos desse corte poderão comprometer outras políticas públicas. Isso porque os sistemas de cadastro e acompanhamento da RFB servem de base para outras instituições e para a sociedade de forma geral. Prefeituras podem ser prejudicadas pela paralisação de sistemas da RFB e impedidas de realizar licitações e até mesmo de receber repasses do Fundo de Participação dos Municípios.
O quadro se agrava ainda mais quando se percebe que, além de não poder mais investir em soluções tecnológicas por falta de recursos, diversas unidades da Receita Federal serão fechadas, trazendo sérios prejuízos aos contribuintes no cumprimento de suas obrigações, principalmente porque nem todos os serviços executados pela RFB podem ou estão disponíveis na internet, e aqueles que vivem em cidades menores serão obrigados a ir até centros maiores para ter acesso a esses serviços.
Nos aeroportos, a redução de plantões e no efetivo de servidores vai tornar mais lenta a liberação de passageiros e de suas bagagens. Nos portos, o prazo para liberação de importações e exportações também pode ser afetado gerando prejuízos ao comércio exterior, com a elevação dos custos de importação e exportação.
A atuação das equipes de arrecadação, de cobrança, de fiscalização e de julgamento também está ameaçada pelos cortes no orçamento da instituição. O trabalho desses servidores foi fundamental para o resultado da arrecadação federal que, mesmo no cenário de crise, atingiu, no acumulado de janeiro a dezembro de 2019, R$ 1,5 trilhão, representando um aumento de 1,69% em comparação ao mesmo período do ano anterior.
As ações de controle aduaneiro resultaram na apreensão de 57,15 toneladas de cocaína ano passado pelos servidores da RFB, recorde da instituição e supera em mais de 80% o volume de apreensão alcançado em 2018. Somadas aos demais entorpecentes, a RFB apreendeu no último ano, mais de 63 toneladas de drogas, resultado que supera em 60% o volume de apreensões do ano anterior.
Em 2019 foram realizadas 4.837 operações contra 3.343 ano anterior.
Na prática, os cortes no orçamento para as ações de controle aduaneiro já provocaram mudanças na rotina de unidades instaladas nas fronteiras. Em várias partes da fronteira, plantões fiscais foram encerrados. Nessas localidades, após as 18h e nos fins de semana e feriados não há mais controle de bagagens, de viajantes, de mercadorias e de veículos, que entram e saem do País, uma decisão que abre as fronteiras brasileiras para o tráfico internacional de drogas, o contrabando, o descaminho e fortalece o crime organizado.
Sem orçamento, até o trabalho de recuperação de créditos tributários realizado pela Receita Federal e que pode contribuir para o enfrentamento da crise fiscal será comprometido. Em dezembro de 2019, o total de créditos ativos administrados pela RFB atingiu o patamar de R$ 1,86 trilhão. Dessa soma, R$ 143,6 bilhões se referem a valores sem qualquer impedimento para a cobrança e são devidos, principalmente, por grandes empresas que atuam nos setores de comércio e reparação de veículos, atividades financeiras e indústrias, responsáveis por 56,48% desse montante. Somente a soma dos créditos tributários devidos por essas grandes empresas supera os recursos previstos na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2020, que destinou um orçamento R$ 125,6 bilhões para Saúde, de R$ 95 bilhões para Educação e é superior aos R$ 121 bilhões que o governo espera investir em todo o País neste ano, o que por si só justifica o incremento de investimento na administração tributária.
De fato, o País enfrenta uma grave crise fiscal, assim como uma crise de segurança pública e uma onda de violência que atinge a todos. Mas, ao cortar o orçamento da Receita Federal em R$ 1 bilhão, o governo corre o risco de paralisar uma das mais importantes estruturas do Estado brasileiro e agravar as crises.
Sem orçamento, a Receita Federal pode não conseguir atingir as metas de arrecadação, reduzindo os recursos disponíveis para manutenção das políticas públicas que são essenciais a toda a sociedade. Sem orçamento, a Receita Federal corre o risco de interromper o histórico crescente de apreensões de drogas, armas, munições e de contrabando que financiam o crime organizado.
Cortar R$ 1 bilhão do orçamento da Receita Federal pode custar bilhões em perda de arrecadação e agravar as crises econômica, fiscal e de segurança pública. Cortar o orçamento da Receita Federal e paralisar uma das mais importantes instituições do Estado brasileiro só interessa aos sonegadores de impostos e ao crime organizado.
Geraldo Seixas é presidente do Sindireceita (Sindicato Nacional dos Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil)