A atual composição do Supremo Tribunal Federal é a pior de sua história. Não apenas pela desqualificação técnica de alguns ministros, mas pela postura isolacionista extremada de seus membros, fruto de uma rachadura ideológica que os conduz à negativa pela construção de consensos em plenário e os transforma em mandatários monocráticos travestidos de semideuses.
Hoje o STF nega a democracia. É preciso esclarecer, por razão bastante singela, que foi justamente o voto válido da maioria dos cidadãos eleitores – o maior de todos os instrumentos democráticos – que definiu a mudança do viés ideológico no comando do Poder Executivo, sob o prisma de promover alterações de grande envergadura nas condutas dos Poderes Legislativo e Judiciário.
O resultado das urnas possui clareza meridiana. Venceu a perspectiva do combate implacável à corrupção. Venceu o juízo da sociedade de que é necessária e urgente a punição severa dos criminosos de colarinho-branco que roubaram os cofres públicos dos cidadãos pagadores de impostos, levando o País à falência. Venceu a realidade transmitida pelas palavras duras, ainda que pareçam inadequadas, e não a mentira que precisa de magos de marketing para iludir que belas são as falas do crime organizado com causa. Venceu o outro lado da moeda.
Gostar ou não do resultado é um direito. Respeitá-lo, como robusto símbolo democrático, é um dever. Nesse sentido, cabe ao STF tão somente guardar e fornecer as balizas constitucionais que delimitam esse novo percurso. Não é papel do Supremo subverter a ordem democrática, mitigando a vontade do povo para fazer valer o desejo umbilical de seus ministros. Sim, o STF está negando a democracia.
A negativa democrática resta evidente diante do antagonismo: por um lado, ministros dados aos holofotes se apressaram em declarar que legítimo pode ser o produto de um ataque cibernético ao constitucional direito à privacidade de quase mil vítimas, entre elas as maiores autoridades do País, desde que sirva aos interesses acusatórios de magistrados e políticos dispostos a enterrar a Operação Lava Jato e proteger criminosos do colarinho-branco; por outro lado, ministros invadem a competência de outros juízos para fazer valer suas vontades e curiosidades, rasgam a independência e autonomia dos poderes para constranger servidores da Polícia Federal, do Coaf e da Receita Federal que ousaram investigá-los, chegando ao cúmulo de afastar ilegalmente alguns desses servidores de suas funções, e ameaçam com possibilidade de pena privativa de liberdade os cidadãos que, no uso de seu direito à expressão e à manifestação do pensamento, estejam falando mal dos eminentes seres togados, autoproclamados semideuses.
Brutal é a insegurança jurídica. Ao conceber a existência de um ambiente jurisdicional sombrio e inóspito, apartado do estado democrático de direito e pautado pela negligência à justiça real e pelos abusos de 11 togas insulares, o Supremo Tribunal Federal não apenas vilipendia a Constituição da República, mas insta reação de desprezo e vergonha na sociedade, que, em gradação geométrica, questiona sua legitimidade e seu papel institucional.
Sob o signo da legalidade, é chegada a hora de enfrentar o STF. Não como afronta ou ultraje, mas para salvá-lo. Antes que seus ministros o tornem tão vergonhoso e ilegítimo, que possa ser desprezível.
Helder Caldeira é escritor – [email protected]
Gostar ou não do resultado é um direito. Respeitá-lo, como robusto símbolo democrático, é um dever