Opinião

Coluna Direito da Família: Aliens no lar

 

Dra. Giovanna Back Franco

Advogada e mestre em Ciências Jurídicas

 

Tornar-se um alienígena ou um alheio para quem se ama, sem qualquer conexão afetiva. Isso seria o resultado da chamada alienação parental, tese desenvolvida pelo psicólogo americano Richard Gardner nos finais da década de 1980. Embora seja reconhecida inclusive no Brasil, e amparada pelo ordenamento jurídico pátrio, não é reconhecida pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais.

Na prática forense, pululam as alegações de supostas alienações parentais quando qualquer dos pais descumpre qualquer das obrigações derivadas da paternidade (as acusações recaem especialmente sobre as mães, dada a construção patriarcal da sociedade brasileira).

Assim, em 2010, criou-se a Lei da Alienação Parental, voltada a coibir qualquer conduta que venha a prejudicar a relação entre pais e filhos em virtude de situações mal resolvidas em processos de divórcio, como apresentar falsa denúncia ou realizar campanha de desqualificação. As consequências para a promoção da alienação parental dependem do caso em concreto, podendo ser apenas mera censura, inversão de guarda e até suspensão do poder familiar.

Em um contexto nacional de números exorbitantes de mães com a guarda dos filhos menores, o machismo estrutural delineou a aplicação da teoria de Gardner colocando em uma mesma figura a mãe sacrossanta da sociedade católica e a ex-mulher vingativa que busca destruir o pai, tantas vezes ausente de suas obrigações (desde o reconhecimento dos filhos). A teoria da década de 1980 transita entre o maniqueísmo e o positivismo cartesiano, não tendo sido validada por seus pares científicos e mostrando-se inconsistente, do ponto de vista teórico.

Quando deveria ser instrumento para a proteção dos menores, tornou-se arma de silenciamento de abusos, especialmente psicológicos, em um dos países com os maiores índices de feminicídio e de violência doméstica, de todos os gêneros. Motivos pelos quais tramitam projetos de lei para revogar a referida lei.

Outro grave problema prático que se encontra é a falta de estrutura e de políticas públicas para a comprovação da alienação parental. É importante ter em mente que o coração do processo judiciário reside nas provas levadas ao processo. E não vale qualquer coisa, especialmente quando se trata de acusações graves, dependendo, pois, de evidências robustas para o êxito de qualquer demanda. Como comprovar que o pai/a mãe tornou-se um alienígena para seu filho? Mais, como comprovar que a resistência (normal da adolescência, por exemplo) deriva da conduta do outro genitor?

Além do mais, não se pode negar que a colheita de provas traz danos e tem falhas evidentes. O depoimento testemunhal tem inúmeros questionamentos entre os estudiosos, desde as questões psicológicas envolvidas até os aspectos da reconstituição da memória, principalmente quando se trata de crianças. Embora haja um esforço do Poder Judiciário no fomento das chamadas “escutas protegidas” (escuta em sala específica, com profissional capacitado e ausência de qualquer das partes para interferir no depoimento), ainda está longe de trazer os resultados ideais.

Nesse sentido, leva-se em conta que a variabilidade dos aspectos sociais e psicológicos da sociedade são amplos demais para serem definidos unicamente pela seara jurídica. Essencial se faz o olhar multidisciplinar sobre a realidade fática, muito mais complexa do que qualquer rótulo.