Opinião

Coluna Direito da Família: A matrimonialização e patrimonialização do amor

Coluna Direito da Família: A matrimonialização e patrimonialização do amor

 

 

 

Dra. Giovanna Back Franco

Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas

 

A matrimonialização e a patrimonialização das relações afetivas data de tempos remotos. O sufixo “mônio”, enquanto derivação do termo “múnus”, apresenta a ideia de dever dentro das relações familiares, definidas pelo matrimônio e pelo patrimônio, isto é, é obrigação do pai de gerar e manter bens e da mãe, de gerar e manter a prole, estando estes últimos sob a autoridade daquele.

Em certo momento, tais concepções são sacralizadas na moral religiosa, sem que com isso tenha havido extirpação da politização da relação familiar, em que o matrimônio era condição necessária à fixação do patrimônio. Com o surgimento do Estado liberal, necessária se fez a intromissão do mesmo nos lares para proteção de direito de primeira classe. O amor? Não, a propriedade, hipertrofiada, especialmente no período pós-napoleônico, de emergência da sociedade capitalista. Mesmo com a posterior modificação teórico-doutrinária, na qual o negócio jurídico casamento dá ensejo a vínculo jurídico específico de comunhão plena de vida, com obrigações de auxílio material e espiritual, em que o afeto ganha status de primazia, as questões patrimoniais não se extinguem, embora tenham ganhado novo corpo com a equiparação da união estável ao casamento.

Em nome da segurança jurídica e da manutenção da propriedade, enquanto direito fundamental, do casamento (e da união estável) decorrem inúmeros efeitos, inclusive patrimoniais. Embora haja um tabu de misturar dinheiro e amor, faz-se necessário manter em mente que em alguma medida eles se entrelaçam. Assim, ambas as uniões dependem da fixação do chamado “regime de bens”, isto é, da definição das regras sobre o patrimônio individual e do casal.

Cumpre ressaltar que essas regras ficam praticamente inertes no curso do casamento e da união estável, vindo a se aplicar em caso de dissolução do casamento por divórcio, ou seja, tem aplicação diferenciada para o caso da morte. Diante do óbito, aplicam-se as regras de sucessão, de modo é diferente ser meeiro ou de ser herdeiro. O primeiro tem direito à metade do patrimônio, por ser legítimo dono dele, a depender do regime de bens, em decorrência da dissolução do vínculo. O herdeiro torna-se proprietário com o falecimento do outro. Assim, nos regimes de bens é possível ser apenas meeiro, meeiro e herdeiro ou apenas herdeiro, quando do falecimento do consorte.

Os principais regimes previstos em lei são: comunhão parcial de bens, comunhão universal de bens e separação de bens, sendo que nesse último caso a separação pode ser por imposição legal ou por decisão dos contraentes. O Direito, então, como regra geral, dá liberdade ao casal na escolha do regime de bens que melhor garante seus interesses, sendo que sua escolha deve ser definida por meio de pacto antenupcial. Não havendo pacto antenupcial, e havendo a necessidade de patrimonializar a relação marital, a lei determina a aplicação de um regime específico: comunhão parcial de bens.

Nos regimes de comunhão, haverá os bens “meus, seus e nossos”, definidos em lei, que podem ou não ser partilhados em caso de divórcio, como herança, bens anteriores ao casamento ou até o bilhete de loteria. A concepção, nestes regimes, é de compartilhamento não só da administração dos bens, mas de todos os ônus e bônus deles decorrentes. O que não ocorre nos regimes de separação de bens, em que não se exige sequer, no mais das vezes, autorização entre os cônjuges para alienação dos bens.

Em qualquer regime, contudo, mantém-se um dever em comum: a responsabilidade conjugada pela família, de modo que as dívidas para manutenção da mesma são do casal (independente de quem as tenha contraído) e exige-se o sustento recíproco entre os cônjuges ou conviventes. Afinal, família é o sustentáculo de qualquer indivíduo, quer materialmente, quer espiritualmente, a fim de que este atinja todas suas potencialidades enquanto ser humano. Isso envolve amor, sem dúvida, pois é no reconhecimento dos laços intersubjetivos que as pessoas se perfazem, mas envolve também recursos financeiros, lastros materiais para a garantia de oportunidades e de sustento.