Opinião

Coluna AMC: O vôo do pássaro 

Coluna AMC: O vôo do pássaro 

 

Aproximou-se do penhasco e pulou. O ar zunindo e a queda rápida que logo viraram um bater de asas e o vôo começou. Por sobre o mar ele planava. Seu olhar preciso focando a água em busca dos cardumes.

As asas sustentadas pelo vento. A velocidade deixando o depois para trás. O logo ali do futuro também estava comprimido naquele momento. O momento em que nada perturba.

Sua vida passava lá embaixo refletida na água. No espelho infinito e misterioso das ondas. A leveza do seu corpo esguio. A precisão dos seus movimentos não deixava dúvidas da sua identidade. Seu dorso eram as nuvens lá do alto. O domínio dos audazes. A altura infinita e azul até onde a vista alcança.

Viajava agora em direção ao sol e os raios traziam novas cores. Reflexos violentos na retina determinada. Refração como a chamar a sua atenção para o pleno poder do astro. O caminho de cada manhã. O calor do dia e suas surpresas. O vento, sempre o vento, seu companheiro de tantas batalhas.

O chão se mexendo. O chão do oceano mais lá embaixo. O reflexo de sua vontade.

Sua vontade caçadora. Vontade suprema e harmônica. Sua vontade e sua visão alinhados em uma coisa só. Vontade. Força. Vôo.

Sem dúvidas. Sem pensamentos para atrapalhar. Então um suave mergulho de aproximação e lá está ela. A presa nadando. O reflexo prateado bambeando num vai e vem suave pouco abaixo da superfície.

Suas garras contraem-se agora. Como num aquecimento e uma última checagem. Um movimento que ele nem percebe. Sutil. Natural.

Então a hora certa chegou. O momento de novo comprimido entre o antes e o depois. O seu movimento na beirada da execução como já fez tantas outras vezes. O novo mergulho acontece subitamente, como se o ar não mais sustentasse. Velocidade de queda e fúria. Queda livremente determinada.

Como uma estrela cadente vem brilhando branco e mortal. O vento explode em seus ouvidos como numa reentrada. Chegando, projetando as garras e mergulhando impiedosamente.

A presa pressente mas agora já é tarde demais. As garras a envolvem e a puxam. Como um soco ou uma pedra lançada na água. Explosão em ondas ao redor.

Um breve silêncio e ele se levanta soberano levando consigo seu troféu. Pequenas gotas de sangue mancham suas penas. As marcas de um caçador. A pintura da sua guerra. Dessa guerra de todos os dias.

Seu espírito sorri enquanto ele voa mansamente de volta para o penhasco.

Não há antes e nem depois do salto. Há o agora e a plenitude.

Serenidade imperturbável de suas asas de pássaro refletindo a luz do sol como em uma comemoração antecipada.

Caê Martins

CRM/PR – 20965.

Carlos Eduardo dos Santos Martins – Anestesiologista.