Cotidiano

Clara Elalouf, documentarista: 'Cultura costumava ser uma bandeira da esquerda'

201605231932291380.jpg“Tenho 51 anos e nasci em Paris, onde ainda vivo. Meus pais vieram do Marrocos e fizeram a vida vendendo tecidos. Formei-me em Direito, mas virei documentarista. Minha obra forma uma trilogia, e gira em torno da história do meu pai, que era analfabeto, e, já na França, gostava de frequentar uma casa de banhos pública.”

Conte algo que não sei.

Posso dizer algo que aprendi e ainda aprendo ao longo desses anos fazendo documentários: a idade me dá cada vez mais liberdade. Estamos acostumados a ver a idade como uma limitação, mas a verdade é que me sinto cada vez mais livre.

Por que você decidiu fazer documentários?

Fiz Direito, mas, quando me formei, disse à minha mãe: ?Não sou advogada.? Fui convidada para trabalhar escrevendo em séries de televisão. O que eu sou é escritora, e como escrevia roteiros para outros diretores, em ficção ou em documentários, resolvi que queria ser responsável por tudo. O cinema documentário, veja bem, o documentário, não a reportagem jornalística, me dava a liberdade que a ficção não me permitia ter. Podia lidar com personagens reais.

Isso é curioso, porque as pessoas tendem a ver a ficção como o lugar da liberdade.

Sim, é verdade, as pessoas veem assim. Mas o que me interessa é o cinema, é fornecer uma visão particular, seja na ficção ou no documentário. O fato histórico não me interessa tanto. Entre o cinema documental e a ficção, não vejo separação.

Como é o processo de escolher alguém para ser personagem de documentário e de convencê-lo a ser filmado?

Cada pessoa é um caso diferente, são personalidades distintas, mas há sempre uma responsabilidade com quem você filma. Ela precisa confiar em você. E de fato, as pessoas que eu filmo não têm noção da sua dimensão trágica. Sou eu quem precisa trazer à tona coisas sobre as quais elas não têm percepção. É um trabalho de construção de imagem, de dramaturgia mesmo.

Você é formada em Direito, mas virou cineasta. Como vê a importância da faculdade de Cinema?

Sei que é importante, porque não cursei uma. Percebi uma lacuna, em termos de networking, de conhecer modelos e regras, que você precisa aprender de outra maneira porque não lhes foram ensinados. Mas também há uma certa liberdade quando não se faz uma escola.

Recentemente, tivemos no Brasil uma grande discussão sobre a necessidade de existir um Ministério da Cultura. A França é uma referência no cenário cultural. Como cultura e política devem conviver?

Na França, há uma política de ajuda oficial ao cinema. Ao mesmo tempo, temos um governo de esquerda que não prioriza a cultura, e isso é uma grande tristeza, porque a cultura costumava ser uma bandeira da esquerda. No entanto, como estamos nas mãos dos economistas, a cultura não é considerada rentável.

Mas a cultura não deixa de ser um mercado.

Certamente, é um mercado. É um mercado para todas as camadas da sociedade, e também é uma forma de incluir todo tipo de diferença, de fornecer um olhar mais justo, mais múltiplo. Ter um Ministério da Cultura é importante, porque é uma escolha política que mostra que a cultura é importante, simbólica. Valorizar a cultura é algo necessário para que a sociedade funcione bem, para que os diretores possam pesquisar sobre a sociedade. É muito importante que os artistas possam se exprimir. Um governo que não se preocupa com a cultura, isso sim, é extremamente preocupante.