Cotidiano

Brasil conta com 124 salas de audiência para crianças vítimas de abuso sexual

2010 337737098-2010062346229.jpg_20100623.jpgBRASÍLIA – Levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que há no Brasil 124 salas de audiência sem dano, como a iniciativa é chamada, espalhadas por 23 estados. Em 2011, segundo levantamento da organização não-governamental Childhood Brasil, citado pelo próprio CNJ, eram 40 salas em 16 estados. Apesar do crescimento, o número ainda é considerado insuficiente.

Fóruns de justiça tendem a ser ambientes muito formais e para, uma criança vítima de abuso sexual, não costumam ser locais convidativos para que ela consiga contar sua história e ajudar a pegar os responsáveis pelo crime. Pensando nisso, vários tribunais brasileiros vêm adotando um meio diferente de ouvir essas crianças. Em vez de levá-las a uma audiência com a presença do juiz, do promotor, do advogado e, em muitos casos, do agressor, as vítimas prestam depoimento numa sala separada, equipada com câmera de vídeo.

As crianças são ouvidas por um psicólogo ou assistente social do próprio tribunal, que são capacitados para colher esses depoimentos e que mantém contato direto com o juiz. Alguns tribunais, além do oferecem o curso. Com isso, é possível ganhar a confiança da criança, poupá-la do constrangimento de ficar cara a cara com o agressor, e tornar a investigação mais eficaz.

? Nesses episódios de violência, cada vez que a criança é submetida ao interrogatório, ela revive aquele drama e acaba se revitimizando. A mãe identifica o problema, pergunta, e ela conta. Aí vai para o hospital, a enfermeira pergunta de novo e ela responde de novo. Aí o hospital encaminha para um conselho tutelar, e ela conta mais uma vez. E assim por diante, no Ministério Público, até chegar em juízo, e muitas vezes, na maior parte das vezes, esses ambientes são muito formais, muito hostis ? afirmou o conselheiro do CNJ Lelio Bentes, que também é ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

? Alguns estados precisam ter um número bem mais expressivo de salas do que têm por enquanto. Mas tenho certeza de que com a confirmação do sucesso dessa experiência, os tribunais que ainda não instalaram virão a instalar, e os que já instalaram vão ampliar essa quantidade ? afirmou Bentes.

O conselheiro destacou também a importância de ter profissionais treinados para ouvir as crianças:

? Com a utilização de profissionais da psicologia, com conhecimento técnico e experiência em técnicas inclusive lúdicas que permitem estabelecer uma comunicação mais adequada, próxima com a criança, é possível ter informações que, muitas vezes, no interrogatório formal, seja por um juiz, um promotor ou um delegado que não tem esse conhecimento técnico, esses fatos acabam escapando.

Um dos pontos mais importantes das audiências sem dano é evitar que vítima e suposto agressor estejam no mesmo ambiente. Isso porque a simples presença física de quem cometeu o abuso pode inibir a criança. O vídeo do depoimento é transmitido em tempo real para o local onde estão juiz, promotor, advogado e réu.

? A gente evita até o contato visual. Às vezes a vítima pede que o acusado não fique na sala. A gente assegura que não tem contato visual. Isso é essencial para o depoimento, para ter coragem de contar ?explicou Fábio Vieira Heerdt, juiz corregedor do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS).

TJ DO RS FOI PIONEIRO

O TJRS foi pioneiro na medida, em 2003. A experiência começou com o então juiz da infância e da juventude de Porto Alegre José Antônio Daltoé Cezar, hoje desembargador. Atualmente já são 24 salas, sendo que duas em Porto Alegre e o restante nos demais municípios gaúchos. Em breve haverá expansão para um total de 43 salas. O objetivo do tribunal é ter uma sala desse tipo em cada uma das 164 comarcas do estado, mas não ainda hão há prazos. Além das audiências sem dano, as salas terão outras funções, como ouvir testemunhas à distância e fazer videoconferências.

? Na época, o juiz da infância e da juventude na capital ficava muito angustiado quando tinha de ouvir uma criança vítima de violência sexual no sistema tradicional, que era um sistema um pouco hostil, porque a criança fica ali no meio, na frente do juiz, do promotor, do advogado, do próprio acusado. E se fazem perguntas que acabam vitimizando um pouco aquela pessoa que já passou por um problema bem sério, delicado. Ele mesmo comprou uma câmera de segurança ? contou Heerdt.

A experiência no Rio Grande do Sul vem sendo compartilhada com outros estados e outros órgãos públicos gaúchos, como a Polícia Civil. Os casos de abuso sexual foram o principal motivo para a criação das audiências sem dano. Mas o mecanismo é usado em outros casos de violência contra crianças e até mesmo de abuso sexual contra adultos.

? Tem um juiz em Caxias do Sul (RS) que faz para violência doméstica, violência de gênero, para ouvir mulheres nos casos mais graves ? diz Heerdt

Por enquanto, não contam com as salas apenas os estados de Alagoas, Paraíba, Rondônia e Tocantins. No caso de Tocantis, a primeira sala deverá ser inaugurada até o fim deste ano. Mas, segundo o CNJ, mesmo sem as salas, os quatro estados também possuem iniciativas que facilitam o depoimento de crianças e adolescentes. Na Paraíba, por exemplo, há um ônibus do Tribunal de Justiça que viaja até as comarcas para colher os depoimentos. Em Alagoas, um psicólogo entrevista a vítima e faz um estudo psicossocial antes de o processo ter continuidade. Caso ainda seja necessário ouvir a criança perante o juiz, isso se dá na presença do psicólogo.