Opinião

Aumento do diesel x caminhoneiros: uma corrida atrás do prejuízo

Opinião de Alziro da Motta Santos Filho

Para dissipar o movimento paredista dos caminhoneiros em maio de 2018, o presidente Michel Temer extinguiu a Cide sobre o diesel e subsidiou o preço do combustível, para reduzi-lo em R$ 0,46 na refinaria. Essa medida, que durou seis meses, teve um custo de R$ 10 bilhões para a União.

Ocorre que, passados quase um ano, o transporte rodoviário de cargas (TRC) continua em plena crise, sucateado, com fretes baixos e em constantes ameaças de greve. E novamente o governo federal, agora sob o bastão do presidente Jair Bolsonaro, determinou que a Petrobras se abstenha de aumentar o diesel de acordo com a flutuação do preço internacional. Tal intervenção na estatal fez com que as suas ações comercializadas na bolsa de valores despencassem, numa redução de seu valor de mercado em R$ 32 bilhões.

Isso nos remete a uma expressão popularizada por Galvão Bueno: “correr atrás do prejuízo”, que é dita para narrar o comportamento daquele que tenta se recuperar de uma derrota, ou um infortúnio. Porém, o significado literal da dita expressão é exatamente o oposto. Correr atrás da derrota, do prejuízo é diverso de correr atrás da vitória, do lucro, do sucesso. Mas parece que nosso Brasil, e nós, brasileiros, dia após dia corremos, de fato, atrás do prejuízo mesmo.

Antes de fazer algumas contas, vamos a alguns dados:

Do consumo de óleo diesel no Brasil, a indústria responde por 30%, a agricultura por 35%, e o transporte em geral por outros 35%;

Dos 35% consumidos pelo transporte, estima-se que o TRC consuma um terço disso, o que nos dá quase 12%, sendo o restante (24%) consumido por veículos de passeio, transporte de passageiros e transporte aquaviário;

Desses quase 12%, metade (6%) é consumida por caminhoneiros autônomos e a outra metade por empresas de TRC;

Segundo números atuais da ANTT, existem no Brasil cerca de 400 mil caminhoneiros autônomos legítimos (contabilizados apenas os caminhões acima de 8 toneladas e os caminhão trator, que respondem efetivamente pelo TRC) e ativos no Brasil, com veículos automotores de idade média que variam de 24,4 anos a 19,3 anos, de acordo com o tipo de veículo.

Vistos esses números, vemos que o valor de R$ 10 bilhões gastos no subsídio do diesel poderia custear um programa de renovação de frota que beneficiaria 25% dos caminhoneiros legítimos, possibilitando reduzir a idade mínima da frota, com as incontáveis vantagens que isso proporciona, ou mesmo, ofertar uma indenização para retirada de circulação de caminhões velhos e sucateados, para que o transportador defasado deixe de exercer a profissão e assim se restabeleça o equilíbrio entre a oferta e a demanda, cuja inexistência é a grande causadora da crise pela qual passa o setor.

Em vez disso, somente nesse subsídio, dos R$ 10 bilhões gastos, apenas R$ 600 milhões chegaram a beneficiar os caminhoneiros, o restante foi distribuído para outros setores.

Esses números nos revelam com perplexidade que, em vez de investirmos em capacitação e estrutura, esperamos ocorrer o desastre para agir de forma inconsequente e populista, com o objetivo de aplacar os ânimos, mas não necessariamente resolver o problema.

Essa conduta não é exclusiva desse setor da economia, mas um comportamento padrão nas diversas áreas de nossa sociedade. Por exemplo: criminalidade x educação; tratamento de saúde x saneamento básico; acidentes de trânsito x infraestrutura viária; enfim, infinitos outros exemplos tipicamente brasileiros onde optamos por remediar, em vez de prevenir, o que seria invariavelmente mais barato, menos danoso e mais producente.

Buscamos soluções simples e imediatas para tudo, mas “balas de prata” não existem. Nos últimos anos os caminhoneiros conquistaram o direito de receber o vale-pedágio independente do valor do frete; o pagamento eletrônico do frete, para evitar a extorsão da carta-frete; a estadia a R$ 1,38 a tonelada/hora, a ser atualizada desde 2015, para evitar a espera excessiva no descarregamento do caminhão; e, mais recentemente o piso mínimo de frete, para evitar os abusos decorrentes das distorções de mercado. Porém, o setor continua em crise e, ao invés de enfrentarmos a causa matriz do problema com reequilíbrio da oferta e demanda e aquecimento da economia, continuamos “correndo atrás do prejuízo”, custeando remédios caros e ineficientes nos momentos de crise aguda, que amenizam momentaneamente a agonia, mas não resolvem o problema de fato.

Nesse clima de um novo Brasil, a sociedade tem que aproveitar a oportunidade para repensar a maneira como enfrentamos nossos problemas. Problemas complexos exigem soluções complexas. Precisamos de fato nos concentrarmos na prevenção e em soluções efetivas e duradouras. Não falo aqui exclusivamente da classe política, já que ela nada mais é do que o reflexo de nós mesmos, mas sim de um choque de realidade para que consigamos caminhar para frente. Vamos correr atrás da vitória!

Alziro da Motta Santos Filho é especialista em Direito Processual Civil e em Gestão em Direito Empresarial, vice-presidente Jurídico da Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Paraná e conselheiro da OAB-PR

 

Vistos esses números, vemos que o valor de R$ 10 bilhões gastos no subsídio do diesel poderia custear um programa de renovação de frota que beneficiaria 25% dos caminhoneiros legítimos

Buscamos soluções simples e imediatas para tudo, mas “balas de prata” não existem