O presidente Jair Bolsonaro assinou nessa quinta-feira (11) o projeto de lei que visa regulamentar a educação domiciliar no Brasil. A proposta estava entre as prioridades dos 100 primeiros dias de governo, completados na quarta-feira. Antes de entrar em vigor, o texto precisa tramitar no Congresso.
Bolsonaro assinou também um decreto que institui a Política Nacional de Alfabetização e estabelece as diretrizes para as futuras ações e programas. Ele também assinou o projeto de lei ordinária do Bolsa Atleta, que pretende modernizar o programa, segundo o governo.
O que é
A educação domiciliar é uma modalidade de ensino em que pais ou tutores assumem o processo de aprendizagem das crianças, ensinando lhes os conteúdos ou contratando professores particulares. No entanto, no Brasil não existem regras para a prática.
No artigo 205, a Constituição trata a educação como um “direito de todos e dever do Estado e da família”, a ser “promovida e incentivada com a colaboração da sociedade”. O objetivo é o “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que os menores tenham “acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência”. Assim, deixar de matricular crianças na escola poderia ser interpretado como abandono intelectual.
Agora, a medida provisória traz, segundo o governo, “os requisitos mínimos que os pais ou responsáveis legais deverão cumprir para exercer esta opção, tais como o cadastro em plataforma a ser oferecida pelo Ministério da Educação (MEC) e possibilidade de avaliação”.
Como poderá funcionar
Segundo o projeto de lei, a opção pelo ensino domiciliar terá que ser comunicada pelos pais do estudante, ou pelos responsáveis legais deste, em uma plataforma virtual do Ministério da Educação (MEC).
Além de comprovar o vínculo com o aluno, os pais ou os responsáveis pelo estudante ficam encarregados de apresentar um plano pedagógico individual, detalhando a forma como as aulas serão conduzidas. A orientação do ministério é que o cadastro seja efetuado no sistema de dezembro a fevereiro, preferencialmente.
De acordo com o MEC, o cadastro deverá ser renovado a cada ano. Também a cada ano, os pais ou os responsáveis pelo estudante precisarão apresentar um plano pedagógico correspondente ao novo ano letivo. Somente depois de a documentação e o plano serem analisados é que o MEC irá gerar para o estudante uma matrícula que ateste a opção pela modalidade de educação domiciliar.
O ministério informou que os termos do cadastramento serão divulgados em regulamento próprio. No documento apresentado nessa quinta-feira, o governo destaca que, enquanto a plataforma virtual ainda não estiver disponível, as famílias têm assegurado o direito de exercer a educação domiciliar. A previsão é de que a página eletrônica fique pronta no prazo de até 150 dias contados a partir da publicação da lei.
Avaliação – provas serão anuais
A proposta encaminhada ao Congresso Nacional exige que o estudante matriculado em educação domiciliar seja submetido a provas para aferir se ele está, de fato, assimilando o conteúdo transmitido em casa. A avaliação deve ocorrer a partir do 2º ano do ensino fundamental, uma vez ao ano, preferencialmente em outubro.
A elaboração e gestão da prova ficarão a cargo do MEC, que emitirá, posteriormente, um calendário em que informará a data. O teste terá um custo, mas o governo antecipou que condições de isenção de pagamento para famílias de baixa renda serão estabelecidas.
A certificação da aprendizagem, obtida quando o desempenho do estudante for considerado satisfatório, terá como base os conteúdos programáticos referentes ao ano escolar correspondente à idade do estudante, conforme a Base Nacional Comum Curricular. No projeto de lei, considera-se a possibilidade de avanço nos cursos e nas séries, nos termos do disposto na Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
Conforme as diretrizes do projeto de lei, os pais ou os responsáveis legais perderão o exercício do direito à opção pela educação domiciliar em quatro situações: quando o estudante for reprovado por dois anos consecutivos, nas avaliações anuais e nas provas de recuperação; quando o estudante for reprovado, em três anos não consecutivos, nas avaliações anuais e nas recuperações; quando o aluno faltar à avaliação anual e não justificar sua ausência; ou enquanto não for renovado o cadastramento anual na plataforma virtual.
Quanto à convivência com outras crianças e adolescentes, um dos aspectos questionados por críticos à modalidade de ensino domiciliar, o governo ressalta que é dever dos pais ou dos responsáveis legais assegurá-la. O PL estabelece também que caberá a eles monitorar, de forma permanente, o desenvolvimento do estudante, seguindo as orientações nacionais curriculares.
Os atrativos e as polêmicas da educação domiciliar
A Aned (Associação Nacional de Educação Domiciliar) estima que haja 7,5 mil famílias ou cerca de 15 mil estudantes que praticam esse tipo de ensino. Em comparação, foram registradas 48,5 milhões de matrículas nas 181,9 mil escolas de educação básica do País, segundo o Censo Escolar 2018, do MEC (Ministério da Educação). Para entender melhor: há um aluno que estuda em casa para cada grupo de 3.233 estudantes nas escolas.
Em setembro de 2018, a maioria dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que educação domiciliar exigiria a aprovação de uma lei que assegurasse a avaliação do aprendizado e da socialização das crianças.
No governo de Jair Bolsonaro, o tema ficou a cargo do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Em janeiro, a ministra Damares Alves disse que a educação domiciliar (chamada homeschooling) garante aos pais o poder de gerenciar o aprendizado dos filhos e até ensinar mais conteúdo. “O pai que senta com o aluno duas, três horas por dia, pode estar aplicando mais conteúdo que a escola durante quatro, cinco horas por dia”, acredita Damares Alves.
A maior parte das famílias adeptas do homeschooling é crítica às escolas e ao método de ensino tradicional. “Isso pode ter muitas motivações, por exemplo religiosas, de a escola ensinar diferente da fé que a família professa; econômicas, de pagar-se impostos sem ter educação (pública) de qualidade; de dificuldade da escola em integrar a criança com deficiência ou pela dificuldade de adaptação da criança ao processo escolar”, enumera Maria Celi Chaves Vasconcelos, professora da Faculdade de Educação da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e autora de tese de doutorado sobre o tema.