“Nasci em Porto Alegre, tenho 55 anos. Passei um bom tempo no Rio, mas voltei para o Sul quando tinha 35. Trabalhei com várias coisas, sou piloto de helicóptero. Mas acabei me envolvendo com os bastidores do jiu-jitsu, sou faixa-preta no esporte, e fiquei cada vez mais próximo a este universo.”
Conte algo que não sei.
O Brasil segue com uma hegemonia importante nos campeonatos de jiu-jitsu, mas os Emirados Árabes são o país que mais investe no esporte. Há cerca de dez anos, o sheik reparou que seu filho, que era muito rebelde, tinha se apaixonado por essa modalidade. Viu como deixou ele mais tranquilo e disciplinado. E aí pensou: ?Se faz bem para o meu filho, deve ser válido também para as crianças do país?. Hoje é matéria obrigatória para meninos em meninas, em todas as escolas.
E por que você acredita que o esporte ?pegou? por lá?
É um esporte que se encaixa bem com a religião muçulmana, porque é raro tirar sangue do adversário. Não é obrigatório bater, na verdade, é uma arte de dominação.
Qual é o impacto disso?
A Federação de Jiu-Jitsu dos Emirados Árabes Unidos (UAEJJF), que hoje é a principal incentivadora do esporte no mundo, passou a investir muito em campeonatos locais e internacionais. Neste ano são mais de 100 eventos pelo mundo. O carioca teve 2.200 inscritos do mundo todo e US$ 105 mil em premiação. Anos atrás, quando essa explosão começou lá, começaram a importar lutadores nossos. Hoje são 600 brasileiros dando aulas nas escolas de lá.
E como foi essa adaptação de tantos brasileiros num país tão diferente?
Não foi fácil no começo. O sujeito ia sem preparo, sem falar bem inglês, levava uns seis meses para começar a se adaptar. Pode-se dizer que eles investiram muito e perderam muito também. O lutador chegava lá todo marrento e era jogado para dar aula para 300, 400 crianças rebeldes. Agora, o sheik está querendo criar um centro de treinamento para brasileiros, que envolva ensino de inglês, boas maneiras, diferenças culturais e finanças. Aí ganha certificado de aptidão para viajar.
O que falta, afinal, para o jiu-jitsu virar um esporte olímpico?
Acho que agora é uma questão de tempo. O que precisa é querer fazer e ter poder financeiro. O jiu-jitsu já tem o mais importante, que é o fato de mulheres e homens competirem. Para nós brasileiros seria fantástico, poderia significar um recorde de medalhas.
Acabamos de ter Olimpíada no Rio. Você acha que foi uma chance desperdiçada para consolidar a cultura do esporte no Brasil?
Continuamos sem investir em esporte. Nesses campeonatos de jiu-jitsu pelo mundo, posso dizer que mais de 90% dos vencedores são brasileiros. Conversei com o ministro Picciani (do Esporte) sobre isso. Ele foi no grand slam em Tóquio e ficou impressionado. Mas estamos sempre atrasados. Vejo o esporte como um grande investimento para a sociedade, faz você economizar em armas, em remédio, em educação. No fundo, é um investimento, porque você vai ter menos gasto com tudo isso. Por que os árabes estão investindo, e nós, que somos os donos da arte, não estamos? Ainda somos os maiores, mas não sei quanto tempo isso vai durar. Quando os melhores começam a ser exportados, isso pode mudar. O Brasil tem que aproveitar o bonde dos árabes.
As mulheres têm participação expressiva?
Dos 600 brasileiros que estão nos Emirados, 100 são mulheres. Hoje já há muitas apitando lutas de faixa-preta masculina.