PARATY – Era a última mesa da Flip, e como toda boa despedida, teve choro e muita emoção. Intitulada “Luvas de pelica”, a sessão teve os críticos literários Sergio Alcides e Vilma Arêas fazendo um balanço sobre os textos ensaísticos que Ana Cristina Cesar também escreveu, para além da mais conhecida obra poética, quando colaborava para o jornal alternativo “Opinião”.
Links Flip mesas sábadoEm dado momento, quando comentava o distanciamento necessário para se fazer crítica poética, a professora de Letras Vilma Arêas ? que deu aulas para Ana Cristina Cesar durante três anos ? escolheu um poema que Cacaso escreveu para a jovem amiga, depois da sua morte. Emocionada, não resistiu e chorou durante a leitura, arrepiando toda a plateia:
? “Ana Cristina cadê seus seios? /Tomei-os e lancei-os/Ana Cristina cadê seu senso?/Meu senso ficou suspenso/Ana Cristina cadê seu estro?/Meu estro eu não empresto/Ana Cristina cadê sua alma?/Nos brancos da minha palma/Ana Cristina cadê você?/Estou aqui, você não vê?”
Mediada pela poeta Annita Costa Malufe, a mesa teve início com uma apresentação de Sergio Alcides sobre esta parte da obra de Ana Cristina pouco comentada:
? Quando Ana escrevia critica literaria no jornal “Opinião”, ainda muito nova, sempre foi muito precisa, ferina, satírica, sempre explorando o poema como um problema com a vida. Vale pensar nessa Ana Cristina também, não só como poeta. Ela não é nada ingênua nas dificuldades da relação entre o indivíduo e o escrito. Ela sabe que não há uma transferência do discurso direto. E faz isso sem ser autoficcional, ingênua. Ela consegue envolver escrita com a vida sem se expor publicamente.
Vilma Arêas reforçou que faltava abordar, no evento, o aspecto ensaístico dela.
? Quero destacar este fingimento de Ana C. Essa utopia de concretizar coisas impossíveis de serem tocadas. Conheci Ana Cristina, foi minha aluna durante três anos. Jovem e muito brilhante. Ela ficou muito impressionada com Fernando Pessoa. Uma vez me entregou uma prova e comecou a recitar em pé, no meu estrado, as palavras de Álvaro de Campos a Alberto Caeiro: “mestre, meu coração não aprendeu nada.. mestre, meu coração está perdido”. A Heloisa (Buarque de Hollanda) disse ontem (sábado) do aspecto teatral dela: É exatamete isto. Ana criou este personagem porque era muito timida também.
Foi neste momento que Vilma explicou – sua apresentação o tempo todo teve o tom carinhoso de uma aula, como se a plateia toda fossem seus alunos – que o crítico de artes Rodrigo Naves, no livro “A forma difícil”, mostrou a necessidade do distanciamneto para se fazer crítica literária, distanciamento provado por Ana em seus textos.
? A diferença entre fazer crítica de artes plásticas é que em artes visuais o ditanciamento já é dado, o objeto está ali, à sua frente, e você não faz usando o mesmo suporte, mas outro, a palavra escrita ? ensinou Vilma. ? Para fazer crítica literária não, usa-se o mesmo suporte, é sempre uma linguagem de contorno. Cito um poema de Chico Alvim: “Mas, é limpinha”. Dei um mês de aula sobre este poema. Tem que ter um afastamento para ler este poema. Para se entender o que ele não diz que está incutido neste verso. O que esta adversativa carrega de informação. Eu digo isso aos meus alunos e repito a vocês: eu acho que ao ler um livro de poemas, a pessoa tem que ler um poema por dia. Não é um romance e não pode ser lido como um romance. É uma construção que exige uma tomada de distância. Você tem que conviver com o poema, entender. É como o amor. Levem um ano lendo um livro. Vale a pena.
Sergio Alcides falou mais sobre este distanciamento que a poeta alcança em seus textos de crítica:
? Acho muito impressionante que a verdade que possa existir num texto não seja uma verdade de costas pra vida. Ela lembra que o livro é a presença do autor. Essa imagem pressupõe a ausência física do autor. A crítica no caso dela vira afetividade ? Sergio Alcides.
Ao final, o curador da Flip, Paulo Werneck, voltou aos versos finais de Cacaso, citados por Vilma, pedindo à plateia que fizesse uma espécie de canto, em coro:
? Ana Cristina, onde está você? / Estou aqui, você não me vê?