?Tenho 49 anos, sou carioca, trabalhei a vida toda no mercado financeiro e já
morei em Hong Kong e nos Estados Unidos, onde me formei piloto de avião. Hoje,
dedico-me integralmente ao Dress a girl around the world, projeto que
levei para Portugal em 2016, quando me mudei para lá.?
Conte algo que não sei.
É comum ver meninas pobres na África vestidas de princesa, porque a fantasia,
fruto de doação, é a única roupa que têm. Para muitas delas, o conjunto com
vestido e duas calcinhas que entregamos, não só na África, mas em qualquer lugar
do mundo, são a primeira roupa nova que recebem na vida, e o selo do projeto
pregado no tecido ajuda a inibir predadores sexuais, que ficam com medo de serem
punidos.
Como conheceu o projeto?
Conheci o Dress a girl around the world pelo Facebook, em 2013,
quando me mudei de Hong Kong para os Estados Unidos, largando meu trabalho no
mercado financeiro para realizar o sonho de fazer um curso de piloto de avião.
Depois, comecei a fazer os vestidos com uma amiga. Quando fui para Portugal,
consegui parceria com um ateliê, que cedeu o espaço e ainda convocou voluntárias
para me ajudar. Hoje, são 15 ateliês no país e 1.700 vestidos entregues desde
julho de 2016, apenas com parcerias e doações. No mundo todo, o projeto já
entregou mais de 500 mil vestidos para 81 países.
Por que fazer vestidos para meninas?
Tive muitas oportunidades bacanas na vida e queria fazer com que todas as
mulheres do mundo acreditassem que elas podem ser o que quiserem. O objetivo do
vestido é dar proteção às meninas, porque muitas delas estão despidas, não
necessariamente de roupas, mas de dignidade, autoestima e proteção. Pregamos uma
etiqueta do projeto na barra do vestido, e líderes locais dizem que alguns
predadores sexuais se afastam delas quando veem a etiqueta. Damos vestidos para
meninas de 2 a 12 anos. Eu gostaria de fazer bermudas para meninos, também, mas
ainda não temos braço para isso.
Como funciona o trabalho?
Com parcerias, doações e trabalho de voluntários, fazemos
os vestidos e os enviamos a ONGs, que fazem a entrega e nos enviam fotos das
meninas usando as roupas. O projeto ajuda não só as meninas, mas também as
senhoras que dele participam. Muitas delas eram deprimidas, ou se sentiam
sozinhas, e hoje passam a tarde rindo, brincando e fazendo peças supercriativas.
Você já entregou vestidos pessoalmente?
Em fevereiro, fui a Moçambique entregar 530 vestidos. É uma emoção muito
forte. A realidade é muito dura e, para algumas delas, é a primeira roupa nova
de suas vidas. Quando vi, pela primeira vez, uma menina usando um vestido que eu
tinha feito me acabei de chorar e não quis mais parar de fazer o projeto.
Seu trabalho tem a ver com feminismo?
Estamos num momento de muita luta no Brasil pelos direitos das mulheres, no
mundo todo, aliás, mas na África elas são consideradas a corja da sociedade.
Quando você desenvolveu essa consciência feminista?
Desde que eu era pequena. Sempre gostei dos brinquedos dos meninos, jogava
bola, andava de skate e, felizmente , vivi numa casa em que meus pais nunca me
proibiram de ter acesso a essas coisas. No mercado de trabalho, notei que meu
salário sempre era menor que o dos homens e isso me revoltou. As mulheres não
estão em busca dos lugares dos homens, estão em busca dos lugares delas.