WASHINGTON ? O tiro parece ter saído pela culatra. A ousada viagem de Donald Trump ao México na quarta-feira, no mesmo dia em que detalhou seu plano sobre imigração, criou uma nova série de polêmicas e afastou ainda mais o republicano do eleitorado latino. Se até então o magnata ensaiava um discurso mais leve sobre o tema ? inclusive parecendo ter demonstrado isso no encontro com o presidente Enrique Peña Nieto ? o comício foi muito forte e, depois dele, lideranças hispânicas que ainda estavam com Trump o abandonaram. De quebra, ele ganhou um novo problema com o presidente mexicano, que agora bate boca com o candidato pelo Twitter, e deu munição para a campanha de Hillary Clinton.
? A comunidade latina ficou chocada com o discurso de Phoenix. Trump voltou a tentar associar os imigrantes a criminosos, o que é completamente falso. Os imigrantes, sobretudo os latinos, são em sua imensa maioria trabalhadores, respeitam as leis e pagam impostos. Trump provou que não mudará sua opinião, que é racista e tanto prejudica os latinos ? afirmou ao GLOBO Julian Teixeira, diretor do National Council of La Raza (NCLR), organização voltada à ampliação da representação latina na sociedade americana.
No discurso, Trump ? que levou ao palco uma série de mães que perderam seus filhos em crimes cometidos por imigrantes ilegais – afirmou que terá ?tolerância zero? com imigrantes que cometem crimes, afirmou que os refugiados são ?um risco? para os Estados Unidos e disse que não dará nenhuma anistia a ilegais. Diante disso, o presidente do grupo de advocacia Latino Partnership for Conservative Principles, Alfonso Aguilar, disse ontem que se sentiu “desapontado e enganado” diante da fala inflamada de Trump em Phoenix, Arizona. Latinos conservadores esperavam que executivos fossem amenizar as opiniões do candidato sobre imigração.
? Durante os dois últimos meses, ele dizia que não deportaria pessoas em situação ilegal que não tivessem antecedentes criminais. Ele realmente disse que ia tratar essas pessoas de forma humana e caridosa ? disse Aguilar à rede CNN.
Mas a grande polêmica continuou sendo a construção do muro na fronteira dos dois países. As idas e vindas sobre o tema geraram um mal-estar formal com o governo mexicano e com o presidente Peña Nieto. Tudo porque Trump disse, ao lado do mandatário, que ambos não discutiram sobre quem pagaria pelo muro que pretende levantar.
O mexicano, depois, afirmou que havia dito para Trump que seu país ?nunca pagaria? pela obra. O republicano, à noite, garantiu que os mexicanos pagariam pela muralha, ?embora eles ainda não saibam disso?. Nesta quinta-feira, Peña Nieto voltou à carga: disse em pronunciamento na TV e rebateu Trump no Twitter para afirmar que “deixou bem claro” o seu posicionamento.
Não bastasse isso, a Presidência do México classificou ontem como ?barbaridade? a proposta de Trump de construir um muro pago por seu país:
? A proposta de construção do muro e acreditar que o México poderia e gostaria de pagar por isso é uma barbaridade. A posição é um ?não? retumbante ? disse o porta-voz presidencial Eduardo Sánchez à Rádio Fórmula.
Os mexicanos, que já haviam se oposto ao convite que Peña Nieto tinha feito a Trump ? o mandatário se defende, dizendo que chamou os dois candidatos para conversar, não apenas o republicano ? protestaram ainda mais após o resultado da reunião e do discurso de Trump.
A rejeição ao magnata parece ter crescido após a visita, por ele não ter se desculpado e por ter insistido que os mexicanos pagarão pelo muro. Ontem, mexicanos ilustres voltaram à carga contra Trump e, de quebra, contra Peña Nieto, que vive uma fase de baixa popularidade e acusações de corrupção. O cineasta Alejandro González Iñárritu, vencedor de dois Oscar, escreveu no ?El País? que foi uma “traição” o presidente ter recebido Trump, e afirmou que “nunca viu um mendigo latino nas ruas dos EUA”.
? O povo mexicano não hesitou em deixar claro que Trump não era bem-vindo. A visita de Trump ao México foi inflamatória, ainda mais depois de seu discurso no Arizona ? afirmou Beatriz Cuartas, professora de ciência política da George Washington University.
Hillary Clinton também não perdeu a oportunidade de atacar Trump. Em um discurso em Ohio, ao lado do vice-presidente Joe Biden, a democrata disse que a viagem ao México mostrou que ele ?não tem as habilidades diplomáticas necessárias para ser presidente?.
? Ele simplesmente falhou em seu primeiro teste no exterior ? disse.
Apesar disso, as pesquisas continuam mostrando uma campanha mais acirrada. Um levantamento da Fox News dá vantagem de cinco pontos para a democrata, contra dez na sondagem anterior. De acordo com a Reuters/Ipsos, a vantagem nacional de Hillary está em apenas um ponto percentual – ou seja, empate técnico.