LONDRES ? A frase mais ouvida por quem consulta especialistas em relações internacionais nos últimos dias é: ?Honestamente, eu não sei.? A retórica isolacionista e protecionista de Donald Trump indica que os EUA mudarão a direção de sua política externa, mas não há dados suficientes para afirmar que caminho seu governo deverá tomar. Há, porém, um consenso entre os analistas: o presidente russo, Vladimir Putin, não tem razões para reclamar do presidente eleito. Cada vez mais afastado do Ocidente, o Kremlin se vê agora diante de um líder americano sem experiência política ou militar, e que já deixou clara sua admiração pelo homem que controla o arsenal nuclear russo com ares de czar. Trump pode tornar a vida de Putin mais fácil, complicando em contrapartida a situação dos vizinhos que temem a ameaça de Moscou.
Durante a campanha, Trump deu declarações que soaram como música para os ouvidos do presidente russo. Prometeu reduzir as tensões com o Kremlin, que só fizeram crescer nos últimos anos; menosprezou a importância da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e não descartou a possibilidade de aceitar a anexação da Crimeia pelos russos, manobra que espalhou insegurança por todo o Leste da Europa. Assim como o futuro ocupante da Casa Branca, Putin também explora a desilusão dos eleitores que não se identificam com os valores liberais, é um narcisista assumido e recorre a uma linguagem vulgar para atacar inimigos. Ainda é cedo para afirmar se será possível uma parceria entre os dois homens, mas a humilhação dos democratas nas urnas favorece, a princípio, o governo de Putin.
Uma das principais dúvidas em meio às muitas incertezas que tomaram conta da geopolítica mundial é como o novo presidente dos EUA vai se posicionar em relação à crise na Ucrânia. Suas declarações como candidato dão a entender que poderia negociar um não envolvimento americano no Leste da Europa em troca de relações mais amigáveis com Moscou. Durante a campanha, o general Keith Kellogg, um dos conselheiros do republicano, afirmou que Trump ?preferia deixar suas opções para a Ucrânia em aberto?, o que foi interpretado como uma possibilidade de reconhecimento da ocupação da Crimeia. Quando perguntado sobre o assunto, o então candidato à Casa Branca disse acreditar que a população da península estava mais satisfeita sob domínio russo do que ucraniano. Sua posição em relação à Otan também é motivo de preocupação na Europa. Ele ressaltou que só estaria disposto a defender os países que contribuem com o orçamento da aliança militar.
? Estamos diante do imprevisível. Trump é perfeitamente capaz de negociar com qualquer pessoa. Ele promete aplicar os princípios do mundo dos negócios na política externa, o que o leva para o caminho do pragmatismo, podendo fazer acordos cínicos e deixando os outros países desamparados ? diz Andrew Wilson, especialista em Ucrânia do Conselho Europeu para Relações Internacionais.
Para Wilson, a Ucrânia e os países bálticos têm motivos suficientes para estarem preocupados.
Putin, por outro lado, vai apostar no fim das sanções econômicas aprovadas pelos EUA e pela União Europeia (UE) após a anexação da Crimeia, em 2014. Além disso, já que Trump ainda não esclareceu qual será sua política para a Síria, a Rússia espera que as pressões para derrubar o ditador Bashar al-Assad, que conta com apoio do Exército russo, sejam aliviadas.
Durante toda a campanha presidencial nos EUA, a mídia russa, sob controle do Kremlin, criticou o sistema democrático americano. Com a vitória de Trump, o tom mudou. Um símbolo do otimismo no círculo de Putin veio de um post no Twitter de Margarita Simonyan, editora-chefe do canal RT, porta-voz do governo russo: ?Hoje gostaria de dirigir por Moscou com uma bandeira americana na janela. Se eu puder achar uma?, escreveu ela quando a derrota democrata foi confirmada.
A partir de janeiro, no entanto, Trump poderá perceber que o peso do Salão Oval o obrigará a levar mais a sério a relação com os aliados que pautou a ordem global no pós-guerra:
? Os aliados ocidentais dos EUA veem a Rússia como séria ameaça à segurança global. Os supostos crimes de guerra cometidos na Ucrânia e na Síria são os exemplos mais óbvios. Trump teria que restabelecer relações diplomáticas com a Rússia sem afastar seus aliados tradicionais ou refazer completamente a dinâmica da atual ordem mundial. Não vejo como ele poderia reconhecer a anexação da Crimeia porque as repercussões diplomáticas seriam devastadoras ? diz Clive Webb, professor de História Americana Moderna da Universidade de Sussex.
Nigel Sheinwald, ex-embaixador britânico nos EUA e na UE, concorda:
? Trump aprenderá cedo que presidentes americanos não gostam de ser vistos como fracos. Se enfrentar um desafio internacional, sofrerá pressão para responder. Não poderá virar as costas e dizer que não é problema dele ? disse o diplomata em debate na London School of Economics.
Desde o resultado que fez o mundo enxergar sua superpotência como uma incógnita, observadores apontam as semelhanças entre Trump e Putin. Wilson, no entanto, ressalta as diferenças:
? Putin veio da KGB e sua definição de negócios envolve acordos corruptos com seus defensores. Trump será o primeiro presidente americano que nunca ocupou cargo público ou militar. Seu estilo é típico do capitalismo americano. E ele é muito bom em mídias sociais, enquanto Putin não cuida disso pessoalmente.