Mercado RIO – Bancário durante o dia e motorista de Uber à noite. Agenciadora de atores e exportadora de roupas. Engenheiro de telecomunicações e empresário da moda. Para muita gente, a vida profissional é uma dobradinha, com carreiras distintas ao longo da semana. Sejam impulsionadas pela crise econômica, uma realização pessoal ou um projeto financeiro, essas ?pessoas versáteis? são cada vez mais numerosas no mercado. E se uma rotina assim parece sufocante à primeira vista, especialistas afirmam que, na dose certa, uma segunda carreira pode, sim, ser muito bem-sucedida.
Isabella de Castro que o diga. Além das produções de moda, ela cria bijuterias que vende em lojas multimarcas, trabalha como DJ e, recentemente, acrescentou uma conta no Uber à lista de trabalhos.
? Tudo se mistura. É muito difícil administrar. Por isso, todo domingo faço um quebra-cabeça de como deverá ser minha semana. Planejo tudo, e o Uber fica para os raros espaços livres ? conta ela, ressaltando que ainda possui um agenda de papel para não se perder no meio das atividades.
Apesar da confusão que às vezes paira sobre sua vida, Isabella, que tem 27 anos, adora essa rotina. É o caminho que encontrou para manter uma renda de no mínimo R$ 3 mil por mês.
? Gostaria de ter uma estabilidade maior como stylist e fazer um mestrado, por exemplo. Mas ainda não posso. É a maneira que tenho para alcançar o padrão de vida que desejo, podendo fazer uma boa viagem por ano, por exemplo ? diz ela, que mora com a mãe.
FARO EMPREENDEDOR
No caso da agenciadora de artistas Luana Schneider, de 34 anos, nem mesmo a distância territorial foi um limite. Ela trabalha em uma agência carioca especializada em atores e, nas horas vagas, toca um projeto de exportação de marcas cariocas de roupa para os Estados Unidos, mais precisamente, Miami.
No caso dela, o faro de empreendedora fez toda a diferença. Ela observou que por lá havia praticamente duas opções de roupas: as muito baratas e de qualidade inferior nas grandes redes ou as mais caras nas grifes renomadas. Então, Luana resolveu bolar uma maneira de levar peças de novos estilistas cariocas para lá, capazes de preencher essa lacuna. Por ora, já fez uma feira como teste e foi um sucesso. Agora ela trabalha na viabilidade do negócio, para que possa ser estabelecido de vez na terra do Tio Sam.
? Sempre tive maleabilidade e consegui organizar muito bem meus horários. Quando vi que dava para conciliar as duas coisas, segui em frente ? conta ela, que divide a responsabilidade com outros dois sócios. ? O segredo é ter organização. Um trabalho não pode interferir no outro. Como o segundo empreendimento é meu, não toco em nada dele enquanto estou no escritório, das 9h às 18h.
Quando a assunto é uma atividade profissional secundária, o Uber é a bola da vez. Assim como Isabella, o bancário Lucca Porto, de 25 anos, também apostou no serviço por razões de ordem prática:
? Terminei a faculdade e fiquei com muito tempo livre. Comecei a achar isso improdutivo e resolvi pegar o Uber para ganhar um dinheiro extra.
Porto assume o volante à noite, nos dias de semana, e pela manhã, aos fins de semana. Atualmente, ele recebe R$ 3.500 mensais pelo banco e, com o Uber, cerca de R$ 350 semanais. O incremento financeiro foi providencial: será usado para quitar o Voyage comprado por ele.
? É cansativo pelo fato de ser uma segunda jornada. Mas a vantagem do Uber é que tenho a liberdade de trabalhar quando quero ? pondera.
TENDÊNCIA MUNDIAL
Segundo o criador do site Segunda Carreira 2.0, Christian Barbosa, especialista em gestão do tempo e produtividade, esse comportamento é uma tendência mundial. Além de ganhar força com a crise econômica que afeta vários países, há muitas ferramentas digitais capazes de facilitar o estabelecimento de uma segunda carreira.
? Muitas pessoas não se veem como produtivas quando estão presas o dia todo num escritório e enxergam na segunda carreira o caminho para superar isso. E hoje há sites especializados, onde você pode vender sua expertise, como um designer que se propõe a criar logomarcas por determinados valores ou um professor que produza videoaulas ou conteúdo didático ? diz.
Uma pesquisa divulgada recentemente pela Universidade da Pensilvânia e pela Universidade da Califórnia mostrou que 64% das pessoas preferem ter mais dinheiro do que tempo. Mas o levantamento feito com 4.400 pessoas também apurou que, em geral, quem valoriza mais o tempo é mais feliz do que aqueles que dão preferência ao dinheiro. Tais resultados, segundo Barbosa, mostram como os cuidados são fundamentais para evitar frustrações.
? A primeira regra é ter uma boa gestão do tempo. É fundamental aprender como ser produtivo e se planejar para isso. A segunda é ter foco. Não adianta querer fazer várias coisas ao mesmo tempo. Outra dica é identificar seus pontos fracos na nova empreitada e buscar ajuda para aprimorar esses aspectos ? lista Barbosa.
Por último, mas não menos importante, ele lembra da importância da paixão:
? É preciso lembrar que a segunda carreira pode se transformar na primeira no futuro. Então, não adianta fazer algo que não goste.
FOCO PARA NÃO ERRAR
Na rotina profissional do engenheiro de telecomunicações Rodrigo Diniz, de 32 anos, o primeiro emprego é encarado como a fonte de financiamento de seu projeto dos sonhos: a grife de moda masculina Lmtda Co., que aos poucos vai se materializando pelo blog lmtda.life. Atualmente, ele trabalha como gerente de instalação de tecnologia na Rio 2016, no Sambódromo, que será o palco da chegada da maratona e das provas de tiro com arco. O segundo negócio é tocado nas horas vagas.
? Uso a renda de um para financiar o outro. E acho que ainda vai ser assim por uns dois anos ? prevê ele, que já se prepara para buscar um novo emprego em outubro, após o fim de seu contrato.
Com a proximidade das Olimpíadas, as jornadas de trabalho de Rodrigo já chegam a doze horas. Muitas vezes, o tempo que sobra para se dedicar à grife é o dos fins de semana. O que não é desculpa para deixar o sonho de lado:
? Sobra pouco tempo para fazer outras coisas na minha vida, como cuidar da saúde e da diversão. Mas é a única maneira de montar meu negócio. Enquanto isso, esforço-me ao máximo para entregar bem os dois trabalhos.
A coordenadora do Centro de Carreira da Escola de Negócios da PUC-Rio, Renata Machado, conta que histórias como a de Rodrigo são sinais de um momento em que todo mundo quer tomar as rédeas da própria carreira.
? Antes, existia um pensamento de que as empresas cuidavam da carreira das pessoas, para que prosperassem ali dentro. Agora, cada um tem que correr atrás das oportunidades e entender como financiar seus sonhos ? diz ela.
Segundo Renata, também há uma tendência cada vez maior de que as pessoas busquem fazer o que amam. Portanto, esse tipo de dobradinha deve seguir recorrente mesmo após um período de crise.
Para quem busca esse caminho, Renata afirma que é fundamental estudar gestão e empreendedorismo, para evitar saltos no escuro. E isso serve para qualquer tipo de negócio:
? Isso é fundamental para a pessoa entender que o negócio precisa de estratégias para dar certo e evitar conflitos ? justifica. ? Alguém que planeje ter a maquiagem como atividade secundária, mas tem apenas as manhãs livres, deve entender que não terá público neste horário. Já uma pessoa que deseje fazer brownies, precisa ter em mente que, se usar uma embalagem sem graça, não vai vender. É preciso buscar um diferencial e pôr todas as contas no papel.