RIO ? Ícone da moda e da música, Grace Jones tem fama de
imprevisível. Aos 68 anos ? nem confirmados ou desmentidos ?, a cantora,
compositora, atriz e modelo jamaicana atende a ligação do GLOBO com um pedido de
desculpas por ter desmarcado a entrevista na noite anterior: ?Eu havia tomado
muito champanhe para conversar com você?, soltando a primeira das muitas
gargalhadas que daria ao longo do papo. música, links 13.11
Como modelo, de visual andrógino e
excêntrico, a multiartista trabalhou com nomes como Andy Warhol, o estilista
Yves St. Laurent, o artista Keith Haring e o fotógrafo Jean Paul Goude, com quem
teve um filho, Paulo. Em 1977, ela iniciou uma trajetória musical que renderia
dez discos de estúdio. Inquieta, Grace ainda atuaria no cinema, onde se destacou
em papéis como a bond girl de ?007 ? Na mira dos assassinos? (1985).
No sábado, a estrela, que não se apresentava ao público
carioca desde 1996, traz sua faceta musical para o Festival Back2Black, na
Cidade das Artes. Um dia antes, canta em São Paulo, no Tom Brasil. Ao longo de
meia hora, a artista não perdeu o humor nem quando criticou Donald Trump,
discursou sobre o aborto ou analisou o cenário atual da música pop: ?Todos me
copiam?, resumiu.
Em sua autobiografia, ?I?ll never write my memoirs?,
você menciona que foi bastante maltratada por seu padrasto durante a infância. O
que mudou em sua vida desde o lançamento do livro, no ano passado?
Apenas a atitude das pessoas. Agora, elas ficam mais
animadas quando me veem. Percebo excitação em seus olhos, estão mais
empoderadas. A única coisa que aprendi daquilo foi que eu jamais trataria meus
filhos da mesma maneira. Você deve ser forte para não repetir o ciclo.
Seu último disco, ?Hurricane?, saiu em 2008. Que tipo de música
você tem feito?
Estou trabalhando num novo álbum, ?She?, há três anos, influenciada por
minhas raízes africanas. O resultado será um misto de ritmos fantásticos e
hipnóticos.
Você tem um histórico de posicionamento a favor das causas
feministas. O que achou da eleição de Trump?
Os EUA nunca aceitariam uma mulher como presidente. Eles
colocariam um animal, qualquer coisa na Casa Branca, menos uma mulher. Acho que
vou me lançar como candidata nas próximas eleições (risos). Mas eu provavelmente
perderia minha voz. Bem, que eles lidem com quem escolheram.
O que acha dele ter sido eleito depois do mandato do primeiro
presidente negro da História dos EUA?
Não entendo essas identificações e rótulos. Acho que
Deus está rindo de nós. Acredito que todos são parcialmente negros. Todo mundo
tem um pouco de sangue africano. Minha neta não poderia ser mais irlandesa. Ela
é mais branca que a neve, tem cabelo ruivo e sardas. Então, todo mundo é um
pouco negro. A África foi o começo de tudo. Mas estou em choque com a eleição do
Donald Trump. Foi horrível com o Bush, será muito pior agora com ele. Gosto de
ser uma pessoa positiva, mas essa é a sensação que eu tenho.
Como lidou com os comentários de Trump considerados racistas e
misóginos?
Um candidato não pode chegar e dizer que vai mudar o que
custou anos para ser conquistado, como o direito ao aborto. Você precisa ser uma
mulher para falar sobre isso. Até que um homem engravide e tenha um filho, ele
não tem direito de opinar sobre esse tema. Não é uma questão masculina. Eu apoio
o direito das mulheres. Amo a Hillary, não sei como não a elegeram. O Trump
abusa de mulheres, é apavorante. Foi o mesmo com o Brexit. Nada mais faz sentido
no mundo para mim, exceto a Jamaica.
‘I’ve seen that face before’ (Libertango), Grace Jones
Onde você vive atualmente?
Na estrada. Mas divido meu tempo entre a Jamaica e Londres, meus lugares de
inspiração. Os EUA não são nada inspiradores atualmente.
Falando em inspiração, você influenciou muitos artistas. Como você
vê a música pop de hoje?
Eles todos me copiam. Isso é bastante óbvio.
Alguém especificamente?
Não vou citar nomes, mas eles sabem muito bem quem são. E não apenas
mulheres, homens também. Inclusive, tem gente que copia meu figurino enquanto eu
ainda estou em turnê. É muita cara de pau! Talvez eu mencione uns nomes no meu
próximo livro.
Você considera algum artista pop atual original?
Eu adoro a abordagem do Gorillaz. Amava a Amy Winehouse. Também gosto
bastante da Wunmi, daquela ?Greedy body? (cantarola o refrão três vezes), além
do Chronixx.
‘Pull up to the bumper’, Grace Jones
Você frequenta o Brasil desde os anos 1970. Chegou inclusive a se
casar de surpresa por aqui, em 1996…
Você sabia do meu casamento? Passei anos tentando me separar dele (o
segurança turco Atila Altaunbay), mas ele havia desaparecido do mapa.
Parece que ele deu uma entrevista recentemente. Algum jornalista o
encontrou.
Então você não está oficialmente separada?
Ainda não. Mas, agora, eu já sei para onde mandar os papéis do divórcio, pelo
menos.
Fora o casamento, quais são suas melhores lembranças do
Brasil?
Eu amo o país de vocês, as escolas de samba. Visitei algumas no Rio, antes do
carnaval, e aprendi a sambar. Fiz o roteiro turístico todo. Lembro-me bastante
das praias, e, principalmente, das pessoas. Os brasileiros são muito parecidos
com os jamaicanos. São alegres, sorridentes. Somos todos da mesma tribo, apesar
dos idiomas diferentes. O mesmo navio deixou escravos na Jamaica e no Brasil.
Sinto-me muito próxima de vocês, temos o mesmo sangue.
‘Love is the drug’, Grace Jones
Como artista, você sente que existe uma pressão para se manter
jovem a qualquer custo?
De maneira alguma. É por isso que eu pareço eternamente
jovem (solta uma gargalhada). Preocupação apenas envelhece.
Desculpe-me pela indelicadeza, mas há informações distintas sobre
sua data de nascimento: seria 1948 ou 1951?
Nunca digo (risos). Acho que isso não importa, nem penso em idade.
As pessoas envelhecem quando pensam que estão ficando velhas. Mas eu me sinto
como vinho, com mais sabedoria. Sou feliz do jeito que sou. Pareço jovem talvez
pelo DNA de minha família. Meu pai chegou aos 86 anos sem nenhuma ruga no rosto.
Talvez eu ganhe uma ruga com o passar do tempo. O segredo é não se preocupar,
como dizia o Bob Marley (cantando a melodia de ?Three little birds?). As pessoas
se preocupam tanto com isso que estão ficando deformadas, fazendo todo tipo de
coisa em seus rostos e corpos. Algumas chegam inclusive a morrer durante esses
procedimentos, como a Joan Rivers. Por que se matar para parecer mais jovem? ‘As pessoas se preocupam tanto com isso que estão ficando deformadas’
Você faria cirurgia plástica?
Não gosto de sofrer, não me submeteria a tanta dor por
nada.
Você foi uma das pioneiras da MTV. Em tempos hiperconectados, como
unir música e vídeo em torno de algo criativo?
Os jovens artistas se expõem de qualquer maneira no
YouTube, sem nenhum tipo de preparação ou orientação. Mesmo os talentosos se
perdem em meio a tanta informação. Fica tudo igual, na sarjeta. É muito difícil
ser original atualmente.
Você costumava dizer que era uma rebelde. O que faz você se
rebelar hoje em dia?
A internet. Ela é nociva, as pessoas simplesmente não
conversam mais. Estamos todos imersos na Matrix. A internet te transforma num
zumbi.
*Colaborou Silvio Essinger
SERVIÇO
Onde: Cidade das Artes ? Av. das Américas 5.300, Barra (33240102).
Quando: Sáb, a partir de 19h (Grace Jones: 1h).
Quanto: De R$ 250 a R$ 400.
Classificação: 16 anos.
CONFIRA A PROGRAMAÇÃO COMPLETA DO BACK2BLACK 2016
19h: Palestra com Daúde, Lellêzinha (Dream Team do Passinho), Deize Tigrona, Rico Dalasam e MC Linn da Quebrada. Mediação: Monique Evelly.
20h30: Batalha dos Barbeiros.
20h30: Show Baiana System (Brasil).
21h30: Festa Batekoo
22h30: Show Nós por Nós (Brasil), com Daúde, Deize Tigrona, MC Linn da Quebrada, Rico Dalasam, Tássia Reis + Dream Team do Passinho
Meia-noite: Festa Batekoo
01h: Show Grace Jones (Jamaica)
02h30: Festa Batekoo