CARACAS – A paralisação do processo de referendo revogatório do mandato do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, foi um golpe de Estado, avaliou a oposição. Adversários do governo propuseram nesta sexta-feira uma resistência pacífica na tarefa de mudar o governo e tomar o poder, após ser praticamente anulada a possibilidade da realização da consulta. O veto à consulta confirma o “rompimento democrático” naquele país, denunciou o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro.
“Hoje estamos mais convencidos do que nunca do rompimento democrático na #Venezuela. Chegou a hora de adotar ações concretas @OEA_oficial”, escreveu Almagro no Twitter. venezuela
A coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) anunciou à noite sua estratégia após a decisão do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) de adiar na quinta-feira a coleta de quatro milhões de assinaturas (20% do colégio eleitoral do país), prevista para ocorrer entre 26 e 28 de outubro, como último passo para a convocação do referendo.
? Ontem, na Venezuela, houve um golpe de Estado ? disse o líder opositor e ex-candidato à Presidência Henrique Capriles, governador do estado de Miranda. ? Não se pode qualificar de outra maneira. Chegou a hora de defender a Constituição.
? O governo quer a violência ou a submissão. Nossa proposta vai ser a da coragem cívica, a da resistência pacífica. Um país em ditadura deve lutar de forma ousada para que haja voto ? declarou o porta-voz da MUD, Jesús Torrealba, em um recesso de suas reuniões de urgência.
O CNE, ao qual a oposição acusa de ser aliado do governo, assim como a Justiça, justificou a decisão de paralisar o referendo revogatório, acatando a sentença de tribunais penais de cinco estados, que anularam por fraude uma primeira coleta de assinaturas de 1% do colégio eleitoral.
A MUD estava certa de que superaria os 20% de assinaturas exigidos, em meio a um crescente mal-estar popular com a grave crise econômica que castiga o país petroleiro, com uma aguda escassez de alimentos e medicamentos, e uma inflação que o FMI estima em 475% este ano.
O presidente socialista, eleito em abril de 2013 após a morte de seu mentor, Hugo Chávez, e cujo mandato termina em janeiro de 2019, enfrenta uma impopularidade de 76,5% e 62,3% votariam para revogá-lo, segundo a empresa Datanálisis.
? O governo empurra para um cenário muito perigoso e de aumento da crise ? advertiu Capriles, contra quem uma corte proibiu a saída do país, assim como Torrealba e outros seis opositores, acusados de suposta fraude.
O CNE já tinha advertido que, mesmo que fossem reunidos os 20% de assinaturas, o referendo seria realizado em fevereiro ou março de 2017. Tarde demais para a oposição, pois neste caso, segundo a Constituição, o presidente revogado cede o poder ao seu vice, sem convocação de novas eleições.
Mas a oposição estava confiante em que uma pressão cidadã maciça pelo referendo obrigaria o CNE a realizá-lo este ano e conseguir, assim, realizar eleições antecipadas.
? Não poderão adiar a mudança que este país pede ? acrescentou Torrealba. Opositor de Maduro denuncia proibição de sair da Venezuela
Referendo era uma válvula de escape
Para o constitucionalista José Vicente Haro, “o referendo era uma válvula de escape”.
? Quando se fecha as vias institucionais se promove a violência e maior conflitividade política.
A suspensão do referendo aumenta os riscos de “protestos de desestabilização” na Venezuela, que podem “degenerar em violência” e repressão militar, avaliou Diego Moya-Ocampos, analista do IHS Markit Country Risk, com sede em Londres.
A grande dúvida continua sendo qual a margem de ação da MUD, visto que as marchas que organizou pelo referendo tiveram tímida participação, com exceção do passado 1º de setembro, quando asseguram ter reunido um milhão de pessoas.
Desde um início, o governo tinha advertido que fecharia o caminho ao referendo e há meses, interpôs 8.600 ações legais contra a coleta de 1% em alusão a que a MUD incluiu assinaturas de mortos, menores de idade e presos.
Pouco antes de se reunir, nesta sexta-feira, com as autoridades do CNE, Jorge Rodríguez, encarregado por Maduro de defendê-lo no processo do revogatório, reiterou que o referendo “morreu ao nascer” porque cometeram a “pior fraude da história da Venezuela”.