Cotidiano

Scott Hamlin, empresário: 'A guerra, no final, vai ser sobre água'

201606180059226113 (1).jpg “Morei em São Paulo de 1999 a 2002. Meu primeiro filho nasceu numa praia paulista. Minha mulher entrou em trabalho de parto, e ele nasceu no sofá branco do nosso médico, que estava de férias na região. Ainda recebemos presentes dos moradores do condomínio. Meu filho é um verdadeiro caiçara.”

Conte algo que não sei.

O processo de produção que conhecemos atualmente está falido. As pessoas falam cada vez mais em reciclagem, mas o principal problema encontra-se na fabricação dos produtos, o que chamamos de ?pré-consumo?. Para cada camisa que você recicla, por exemplo, foi descartado material equivalente a 70 novas camisas.

Essa realidade é restrita aos Estados Unidos?

Não. É um processo recorrente, que acontece em todos os países do mundo. Cerca de 30% de toda a matéria-prima usada para a manufatura dos produtos é descartada. Mesmo as fábricas mais eficientes só conseguem manter essa taxa em torno dos 17% ? a grande maioria obedece à essa média de 30%, e até mais.

Quais problemas decorrem do desperdício?

Além do problema óbvio da perda de tecido ou de qualquer que seja o material, o desperdício da água utilizada para fazer os produtos é enorme, fora a emissão de gás carbônico. E, depois, tudo, ainda pode terminar no lixo ou incinerado.

E o que fazer para romper esse sistema?

Não dá para continuar como estamos hoje. O sistema que produzimos é linear, mas a natureza precisa de um sistema circular. Tiramos recursos do planeta, usamos e jogamos fora, para voltar a retirar. O que a gente está fazendo é começar a reutilizar os materiais que já existem. Mas o próximo passo é criar tecnologias novas para transformar esses materiais em um tecido novo para que eles possam virar matéria-prima novamente. Tem que ter tecnologia para desconstruir uma camisa, por exemplo, para que ela se torne um tecido novo, matéria-prima novamente. Isso seria um circuito fechado.

É a diferença entre reciclagem e ?upcycling??

Reciclagem seria aproveitar todos os retalhos do couro para que a peça fosse transformada em um couro todo novo. Mas não temos tecnologia pra isso. Por isso, aproveitamos e fazemos uma colcha de retalhos.

Como a moda se encaixa nisso?

A moda precisa desenhar peças mais funcionais. Além de serem bonitas, precisam durar mais tempo. A gente tem que estender cada vez mais a vida útil dos produtos. Isso é parte do problema. Nos EUA, as pessoas agora estão alugando as roupas formais, como vestidos, para usar uma vez só, como em casamentos. A indústria da moda é a segunda mais suja no mundo, fica atrás somente do petróleo. Então, ela tem que mudar. Fazer parcerias com grandes marcas é um primeiro passo. Mas precisamos fazer associações, para que todos comecem a entender que o processo tem que mudar e que é preciso encontrar novas maneiras de contar histórias.

E a indústria do petróleo vai mudar? É difícil, não?

Mesmo os mais ricos produtores de petróleo agora estão comprando água. Terras com lençóis freáticos. A guerra, no final, vai ser sobre água. Vamos ter energia solar, de vento, e isso tudo vai ser suficiente para sustentar o planeta, e não somente o petróleo. Querem garantir o dinheiro agora, mas é muito complicado. A tecnologia vai mudar essas coisas. O pensamento da indústria petroleira vai mudar. Se posso ter painéis solares sobre a casa, e e vender o que sobra de energia à rede, por que vou querer continuar com o petróleo? Todo o processo vai mudar.