Brasília – A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, afirmou ontem, em sessão do CSMP (Conselho Superior do Ministério Público), que o princípio da presunção de inocência é garantia importante em todos os países, mas que a execução de uma pena após quatro instâncias é exagero que "aniquila o sistema de justiça" porque "uma Justiça que tarda é uma Justiça que falha". Sua fala se referiu a um possível entendimento de que o cumprimento da pena de um condenado criminal só poderia ocorrer após esgotados os recursos em tribunais superiores, como o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e o STF (Supremo Tribunal Federal).
Durante fala, Raquel reconheceu a importância, em todo o mundo, do princípio de presunção de inocência, segundo o qual uma pessoa só é considerada culpada após o chamado trânsito em julgado, quando não cabem mais recursos em nenhuma instância. “No entanto, apenas no Brasil, o Judiciário vinha entendendo que só pode executar uma sentença após quatro instâncias judiciais confirmarem a condenação. Este exagero aniquila o sistema de Justiça exatamente porque uma Justiça que tarda é uma Justiça que falha. Também instilava desconfiança na decisão do juiz, sobretudo o juiz de primeira instância”, disse a procuradora.
Raquel Dodge fez as declarações na véspera do julgamento do habeas corpus preventivo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no plenário do STF.
O julgamento desta quarta-feira poderá retardar ou abreviar o caminho do ex-presidente para a cadeia da Lava Jato. Condenado a 12 anos e um mês no caso triplex em janeiro pelo TRF4 (Tribunal Regional Eleitoral da 4ª Região), ele tem apelado para evitar a prisão após sentença de segunda instância. Os ministros do STF vão decidir sobre o pedido de habeas corpus preventivo do petista, que quer a chance de recorrer a todas as instâncias, até o trânsito em final do processo.
Impasse
A questão gerou um impasse no STF. Desde fevereiro de 2016, o entendimento prevalecente na Corte, estabelecido no julgamento de um habeas corpus que posteriormente obteve o status de repercussão geral, é no sentido de que a execução de pena pode ser iniciada antes do trânsito em julgado, logo que sejam encerrados os recursos em segunda instância.
Diversos ministros, entretanto, querem que o assunto volte a ser discutido em duas ações declaratórias de constitucionalidade (ADC) relatadas pelo ministro Marco Aurélio Mello e prontas para julgamento em plenário, uma delas protocolada pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
Ao menos dois ministros, Gilmar Mendes e Dias Toffoli, mudaram seu entendimento desde o julgamento do habeas corpus que permitiu a prisão após segunda instância. Isso pode levar a uma reviravolta no entendimento, ante o placar apertado de 7 a 4 alcançado naquela ocasião.
Manifestações
Nesta terça-feira, a ADPF (Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal) divulgou nota em que defende a execução de pena após a segunda instância: “Entendemos que é preciso avançar e ir além da investigação. É necessário punir com rigor os autores de delitos relacionados à corrupção, para resgate da efetividade e credibilidade do sistema criminal. Para isso, é fundamental que seja mantida a posição atual do Supremo”.
Segunda-feira, um grupo de procuradores e magistrados apresentou ao STF um abaixo-assinado com mais de 5 mil assinaturas em defesa da prisão em segunda instância. Em resposta, outro grupo formado por advogados e defensores públicos apresentou no mesmo dia abaixo-assinado com cerca de 3,6 mil assinaturas defendendo a presunção de inocência e a prisão somente após trânsito em julgado.