SÃO PAULO – Apesar de a lei brasileira autorizar desde o ano passado que grávidas e mães com filhos de até 12 anos tenham a prisão provisória convertida em prisão domiciliar o encarceramento ainda é regra. Ao contrário do que aconteceu com a ex-primeira-dama do Rio Adriana Ancelmo, que na sexta-feira foi autorizada a cumprir prisão em casa para poder cuidar dos filhos de 11 e 14 anos, muitas mulheres em condições semelhantes continuam na cadeia.
Cerca de 42% das 37 mil presas no Brasil são provisórias, ou seja, ainda aguardam julgamento, situação em que se enquadra a mulher do ex-governador do Rio Sérgio Cabral, investigado por corrupção. Não existem, porém, estatísticas que mostrem quantas delas estão grávidas e têm filhos pequenos, o que lhes daria o direito de serem beneficiadas com a prisão domiciliar, como prevê a lei.
A Defensoria Pública estadual tem sido o principal órgão a atuar para tentar garantir o cumprimento da nova legislação, mas a resistência de juízes ainda é grande, principalmente na primeira instância.
? Ainda tem muita dificuldade de aceitação pelos juízes porque não há como fiscalizar o cumprimento da prisão domiciliar. Na primeira instância da Justiça, vemos mais forte a cultura do encarceramento e de uma resposta punitiva à sociedade sem pensar no resultado das prisões num sistema carcerário falido ? explicou a defensora pública de São Paulo Maíra Coraci Diniz.
Em março do ano passado, o Congresso aprovou alterações no Código de Processo Penal que ficaram conhecidas como Marco Legal da Primeira Infância. A principal delas permite reverter a prisão preventiva em domiciliar para gestantes em geral e mulheres com filhos até 12 anos. Até então, o benefício existia para grávidas a partir do sétimo mês ou com gestação de risco e mães de criança com até 6 anos.
Entretanto, a aplicação da lei não é automática. O texto faculta ao juiz decidir se a mulher pode ser beneficiada pela nova regra. ?Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar?, diz o texto da lei.
Ana (nome fictício) recebeu voz de prisão quando tentava fugir com uma mamadeira, pares de chinelo e barras de chocolate roubados no interior de São Paulo, em 2016. Grávida de trigêmeos, foi levada à delegacia e teve a prisão preventiva decretada pela Justiça mesmo após pedido do Ministério Público para que ela respondesse à acusação em liberdade por estar gestante e não ter histórico criminal. Após semanas na prisão, um recurso da Defensoria Pública de São Paulo conseguiu na segunda instância, durante o recesso de fim de ano, que a acusada cumprisse medidas alternativas até o julgamento do caso. Ela saiu da cadeia e foi obrigada a comparecer mensalmente em frente ao juiz, não deixar a cidade e passar todas as noites em casa.
Resultado de negativas nas instâncias inferiores desde março, recursos de mulheres requerendo prisão domiciliar têm chegado às cortes superiores da Justiça em Brasília. Uma das primeiras decisões ocorreu no Superior Tribunal de Justiça (STJ) dias após a aprovação da lei.
O ministro Rogerio Schietti Cruz concedeu a uma jovem de 19 anos grávida e com um filho de 2 anos o direito de responder ao processo em prisão domiciliar. Ela estava presa acusada de tráfico de drogas ao tentar entrar com uma porção de cocaína e duas de maconha no presídio onde seu marido cumpre pena. O ministro considerou que a jovem, além de mãe e gestante, era primária, com residência fixa e não demonstrava periculosidade ?que justificasse a prisão preventiva como hipótese de proteção à ordem pública?.
O tráfico de drogas é a principal acusação que leva ao encarceramento feminino (68%), seguido de furto (9%) e roubo (8%). Mais da metade das presas é condenada a penas de dois a oito anos.
De acordo com a advogada Raquel da Cruz Lima, coordenadora do grupo Justiça Sem Muros, do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, as presas são, em geral, mulheres sem histórico criminal.
? Essa lei tem como principal intenção proteger a criança ? afirmou.
CRIMES DE MENOR GRAVIDADE
Feita inicialmente para os casos de mulheres que aguardam julgamento, a lei passou a ser usada também para as condenadas em crimes considerados de menor gravidade. Em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, uma mãe de meninos de 9 e 11 anos, sentenciada por tráfico de drogas a uma pena de dois anos de prisão em regime fechado, foi posta em agosto em prisão domiciliar para cuidar dos filhos. Sem parentes para assumir o cuidado, as crianças tinham sido encaminhadas a um abrigo. O juiz exigiu, em contrapartida, que a mãe apresentasse à Justiça periodicamente a carteira de vacinação e o comprovante de matrículas escolares dos filhos.
No caso de Adriana Ancelmo, a Justiça também estabeleceu algumas regras para a prisão domiciliar. Antes de sair do Complexo Penitenciário do Gericinó, a ex-primeira-dama do Rio terá que comprovar que o imóvel onde ficará com os dois filhos atende a certos requisitos, como não ter linha telefônica nem acesso à internet. Antes de ser presa, ela morava num apartamento no Leblon. Segundo decisão do juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio, Adriana só poderá ser visitadas por advogados, que não poderão carregar celulares, tablets ou outros aparelhos com acesso à rede. Além disso, as visitas terão que ser registradas pela defesa.
Acusada de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa pela força-tarefa da Lava-Jato no Rio, Adriana teve a prisão decretada pela Justiça Federal e se apresentou em 6 de dezembro. Logo após a prisão, os advogados da ex-primeira-dama já haviam feito um pedido de conversão para prisão domiciliar, que foi negado por Bretas.
A defesa fez o pedido com base no artigo 318 do Código de Processo Penal, aquele que foi alterado pelo Marco Legal da Primeira Infância.
Na sexta-feira, o advogado Alexandre Lopes informou que deve enviar, até hoje, petição para informar que o apartamento de sua cliente cumpre as condições estipuladas para a prisão domiciliar. A Polícia Federal, então, fará uma vistoria no imóvel. Só depois disso, o juiz poderá determinar a saída de Adriana da cadeia.