RIO – A representação brasileira na 7ª Conferência das Partes da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco (COP 7), que acontecerá na Índia a partir da próxima segunda-feira, está sendo alvo de um jogo de forças entre a indústria do tabaco e grupos da sociedade civil que defendem o controle do cigarro sob a luz da saúde. A disputa, que costuma anteceder as conferências bienais, ganhou um novo capítulo este ano com a aprovação, na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, de um requerimento que pede que a delegação brasileira inclua um parlamentar, “em especial da comissão”, conforme escreveram os autores, os deputados Alceu Moreira (PMDB/RS) e Heitor Schuch (PSB/RS). Até agora, só foram publicados em Diário Oficial dois nomes que irão à Índia, ambos técnicos.
Representantes da cadeia produtiva do tabaco, que têm apoio no Congresso de parlamentares sobretudo do Sul, já tiveram reuniões com o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, e relatam que ele teria se comprometido a considerar a posição da indústria na representação brasileira. Apesar de, nos bastidores, dizer-se que a movimentação encontrou resistência do ministro das Relações Exteriores, José Serra, uma publicação de ontem no Portal Brasil, do governo federal, dá o tom da posição do Brasil na COP 7.
O comunicado traz a declaração do secretário substituto de Política Agrícola, do Ministério da Agricultura, Sávio Pereira. ?Vamos levar o posicionamento que já está acordado na Convenção Quadro, assinada por seis ministros: não há proibição à produção do tabaco ou restrição a políticas nacionais de apoio aos agricultores que atualmente se dedicam a essa atividade. O Brasil também não apoiará propostas que visem utilizar a normativa como instrumento para práticas discriminatórias ao livre comércio?, escreveu.
Até o fechamento da edição, o Itamaraty não respondeu ao GLOBO sobre qual será a composição completa da delegação brasileira. Nas edições anteriores, a delegação foi composta por nomes técnicos e dos ministérios.
Mas a esperança da indústria ganhou um novo balde de água fria na véspera do evento: a agência Reuters teve acesso a uma “Nota Verbal”, uma comunicação diplomática oficial, que foi enviada às delegações. Nela, o secretariado da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco (FCTC), ligado à Organização Mundial da Saúde (OMS), afirma que membros que tenham ligação com a indústria global do tabaco podem ter credenciais rejeitadas e serem retirados do encontro.
Para Romeu Schneider, secretário da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), apesar dos contratempos, espera-se que os interesses da cadeia produtiva sejam representados na Índia.
? Estamos esperando uma posição bastante favorável a não prejudicar a produção de tabaco no Brasil, que seja mais técnica do que ideológica. O Brasil exporta 88% da produção, seria um contrassenso dificultar a vida do agricultor ? aponta Schneider.
FUMICULTORES EM SITUAÇÃO DELICADA
A COP 7 não tem poder de adicionar novos artigos à convenção, mas pode estabelecer diretrizes para a aplicação do documento, que entrou em vigor em 2005. Além disso, cada país signatário apresenta seus resultados no controle do tabaco. Entre os temas que podem ser discutidos neste ano, estão formas alternativas de cultivo para fumicultores, regulação de cigarros eletrônicos e acordos de comércio.
Em meio às disputas, há pelo menos um ponto em que as entidades concordam em seus discursos: as políticas de diversificação economicamente viáveis para os fumicultores, determinadas pelo artigo 17 da convenção, precisam ser incrementadas no Brasil. O principal instrumento para isso, no Brasil, é o Programa Nacional de Diversificação em Áreas Cultivadas com Tabaco, do extinto Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e hoje sob o escopo da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (SEAD).
Segundo a SEAD, há hoje chamadas públicas em vigor de apoio de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) que chegam a 30 mil famílias produtoras de tabaco ? a grande maioria no Sul. O Deser, entidade do Paraná que opera uma dessas chamadas públicas, dando assistência a 1200 famílias, vem passando, porém, por dificuldades no repasse de verbas e comunicação com o ministério. A SEAD justifica que os atrasos aconteceram por cortes de orçamento no governo federal, mas afirma que a situação está sendo regularizada.
? Praticamente não houve pagamento neste ano, mas optamos por não parar, porque acreditamos no trabalho. Não sabemos como será a continuidade do programa, isto é algo bem obscuro para nós, mas defendemos que o programa não deve parar. Ele precisa ser mantido e ampliado ? defende Cleimary Fatima Zotti, engenheira agrônoma e assessora metodológica para o desenvolvimento sustentável dos territórios rurais no Deser.
Segundo Schneider, a diversificação da cultura para os produtores de tabaco vem falhando no Brasil: ele afirma que as famílias não conseguem encontrar alternativas rentáveis equivalentes ao gerado pela cultura do fumo. Já para Cleimary, a solução existe e tem o nome de agroecologia.
? As empresas de tabaco ganham de nós não na questão da renda, mas ao fornecer um pacote completo de assistência técnica e facilidades de comercialização que geram comodidade ao produtor. Nós estimulamos que o agricultor perceba que ele é o dono do próprio nariz na sua produção. É possível gerar renda com a diversificação da cultura ? afirma a engenheira agrônoma, apontando para nome do Programa Plante Milho e feijão Após A Colheita do Fumo, da Souza Cruz em conjunto com os governos, como uma prova de que a diversificação estimulada pela indústria do tabaco não admite a autonomia do agricultor frente ao fumo.
Enquanto isso, Alceu Moreira teme que a COP 7 leve à frente estratégias de controle do tabaco que prejudiquem a cadeia produtiva, segundo ele com políticas de “coação” como a restrição ao crédito a fumicultores determinadas pelo Banco Central na Resolução 4.483.
Mas, para Paula Johns, diretora executiva da Aliança de Controle do Tabagismo (ACT), é a própria dinâmica do mercado que pode afetar diretamente os fumicultores.
? Hoje, é lucrativo para as empresas comprarem do Brasil. Mas se algum outro país oferece condições mais favoráveis a elas, como mão-de-obra mais barata, elas vão fazer isso. A indústria sistematicamente se mobiliza para ter o pior tratado possível, e faz isso através de um lobby interno nos países mais permeáveis. Só sobram argumentos econômicos para ela se defender, e eles também são falsos.
De acordo com dados da Afubra, há mais de 150 mil famílias produtoras de fumo no Brasil, o segundo maior produtor mundial da cultura.
O posicionamento do secretariado da FCTC tem raízes históricas: em outras edições, países como a China e o Vietnã levaram membros em suas delegações diretamente ligados à indústria ? em 2014, por exemplo, a delegação chinesa com 18 membros tinha quatro pessoas da Administração Estatal de Tabaco. Em 2012, dois de oito delegados do Vietnã pertenciam à Associação Vietnamita do Tabaco.
Nesta terça-feira, o governo da Índia precisou declarar em comunicados em jornais nacionais que estava comprometida em seguir a convenção-quadro ? um posicionamento feito após a Reuters revelar que grupos da indústria do tabaco estavam fazendo lobby no governo pela proteção do interesse de agricultores na conferência.