RIO – Em Brasília, conciliar a carreira política com a de pastor evangélico não é lá tão incomum. Mas somar a esta trajetória a luta pelo acesso a medicamentos derivados da maconha, até onde se tem notícia, é uma singularidade do paranaense Rodrigo Delmasso, 36 anos, deputado no Distrito Federal e pastor na Igreja Sara Nossa Terra. O ponto fora da curva se justifica em um nome, o de sua filha: Manuela. Hoje com sete anos, a menina foi diagnosticada aos dois com epilepsia refratária.
Medicamentos com canabidiol, uma das substâncias encontradas na maconha, têm revelado sucesso no tratamento de doenças como a epilepsia. No final do ano passado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a permissão para o registro de medicamentos derivados da maconha. Já um projeto de lei da autoria de Delmasso tornou o Distrito Federal pioneiro na distribuição, pela rede pública, de remédios à base desta substância. A proposta foi vetada pelo governador Rodrigo Rollemberg (PSB), mas mesmo assim os deputados conseguiram torná-la lei em 2016. Apesar da resistência do Executivo, Delmasso aponta, porém, que a maior polêmica causada pelo projeto se deu em sua “comunidade”, a evangélica. Agora, falta o governo distrital regulamentar a distribuição dos medicamentos.
Como as pessoas em sua igreja recebem seu ativismo pela maconha medicinal?
Eu enfrento bastante esse debate. As pessoas me abordam e dizem que isto pode ser uma porta para legalizar o uso recreativo da maconha. A gente não pode misturar as coisas: se fosse assim, o ópio estaria à venda para qualquer um, já que a morfina é oriunda dele. O debate precisa ser qualificado e amadurecido. A maconha é uma planta como outra qualquer, seria um contrassenso não deixar que pessoas tenham acesso a esse medicamento. Temo que o excesso de preconceito, que é diferente do zelo, leve a este tipo de situação.
Qual é a urgência do acesso a esses remédios?
Há um versículo da Bíblia em que Jesus diz: vim para que tenham vida e a tenham em abundância. Estes remédios dão vida em abundância para os pacientes. O principal ponto das igrejas é levar o bem estar das pessoas. Então porque não legalizar a maconha medicinal, de forma controlada? A Anvisa já faz muito bem esse controle. Você imagina uma mãe que não consegue dormir direito porque o filho tem ataque epiléptico… Quando ele passa a usar o medicamento, experimenta-se um milagre. Minha filha, quanto tem crises, vira a noite. Revezo três horas de sono com a minha mulher.
Sua filha já utilizou remédio com canabidiol?
Já experimentamos, mas para ela não funcionou. O ser humano não é uma caixinha. Mas para várias outras pessoas, houve resultado.
Qual é o diagnóstico da sua filha?
Ela tem uma epilepsia refratária de difícil controle, o que significa que, depois de um tempo, os medicamentos passam a não funcionar para ela. Percebemos que havia algo diferente na saúde da Manuela quando ela começou a ter espasmos como bebê, além de um desenvolvimento cognitivo atrasado. Ela teve um diagnóstico errado, de Síndrome de Patau, uma doença rara, o que nos atrapalhou. Como ela teve uma lesão no lobo temporal (parte do cérebro), hoje ela quase não fala, e só anda com auxílio.
Você é a favor do uso recreativo da maconha?
Sou contra. A própria medicina aponta para danos no cérebro com o uso.
Qual acha que seria a forma de produção ideal de remédios à base de maconha no Brasil?
Eu acredito na produção nacional. Hoje, se um laboratório quiser produzir em solo brasileiro, não pode. Na importação, permitida pela Anvisa, uma ampola que custa US$ 40 nos Estados Unidos chega aqui a US$ 100. O Congresso precisa permitir a produção no território. Nossa legislação é obtusa, porque impede que novas tecnologias possam entrar, e obsoleta, porque não previu estes avanços. Acredito que atitudes como a nossa (a lei aprovada no Distrito Federal no ano passado), em assembleias legislativas e câmaras dos vereadores, possam fazer com que a pressão venha de cima para baixo.
E o cultivo em casa da maconha para uso medicinal, o senhor apoia?
Tenho minhas restrições. Com o cultivo em casa, corremos os riscos da falta de controle sanitário.
Como é a sua relação com grupos dentro e fora da igreja em projetos como o aprovado no Distrito Federal?
Durante a tramitação do projeto, que durou mais ou menos um ano, a maior polêmica se deu dentro do meu segmento, da minha comunidade. Mas com o debate, a gente consegue convencer as pessoas. Eu também leio muitos estudos científicos e às vezes vou até a congressos médicos. No ano passado, fui convidado para dar uma palestra em um encontro de ativistas pela legalização generalizada da maconha, e quando falei que era pastor evangélico, as pessoas não entendiam como eu estava ali. Na verdade, o preconceito existe dos dois lados. O preconceito ensurdece as pessoas. Temos que ter a capacidade de ouvir.
Você pretende apresentar algum outro projeto legislativo relacionado à maconha medicinal?
Estamos estudando um projeto para que pacientes passando por quimioterapia possam ter acesso a medicamentos com THC, outra substância da maconha.