Cascavel – No Abril Verde, mês em que as ações são voltadas para a saúde do trabalhador, uma informação preocupante: a escravidão ou o trabalho análogo à escravidão não deixou de existir mesmo após dois séculos de sua abolição.
Em pleno século XXI, autoridades ainda buscam alternativas para pôr fim a uma das formas mais cruéis de se explorar a mão de obra e a dignidade de alguém.
Esse é uma dos motivos pelos quais deverá ter início nas próximas semanas no Paraná a Cortra (Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo no Estado do Paraná). Ligada ao Departamento de Direitos Humanos da Seju (Secretaria de Estado da Justiça, Trabalho e Direitos Humanos), a estrutura foi uma exigência do Pacto Nacional assinado pelo governo do Estado com a União em dezembro de 2016 e que já deveria estar em operacionalização desde fevereiro passado. Sua criação ocorreu por meio de decreto firmado em novembro de 2017 e o atraso para o início das atividades se justifica porque aspectos formais ainda passam por ajustes, como a indicação de representantes de entidades e instituições que terão cadeira no comitê.
Num primeiro momento os serviços serão centralizados em Curitiba, mas com atuação em todo o Paraná, em seus 399 municípios. Até o fim do ano o objetivo é criar unidades descentralizadas em cada macrorregião de modo que facilite a ação regional sobre as denúncias de trabalho escravo.
A exigência dessa implantação vem se somar às políticas desenvolvidas pelos municípios para, entre outros aspectos, a erradicação do trabalho infantil que também se caracteriza como uma espécie de escravidão. Além de voltado às crianças, há pelo menos outro ponto que chama a atenção e traz um alerta silencioso e muito preocupante.
Tráfico de pessoas e o trabalho escravo
Segundo a coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Estado do Paraná, Silvia Xavier, pelo menos 30% das pessoas traficadas hoje no Estado, seja para outros cantos do Brasil ou para o exterior, são para o trabalho análogo à escravidão. “Fica atrás apenas do tráfico para a exploração sexual, que não deixa de ser um trabalho análogo à escravidão, mas que por muitas vezes é difícil de ser configurado assim à Justiça”, lembra.
Considerando que pelo menos 200 paranaenses terminaram o ano de 2017 traficados, estima-se, portanto, que 60 deles estavam em algum canto do Brasil ou do mundo com seus direitos humanos e de trabalho cerceados.
Além dessas pessoas, há aqueles profissionais em que a família sabe de seu paradeiro, eles até podem voltar para casa vez ou outra ou todos os dias, mas são submetidos a uma carga exaustiva de trabalho pondo em risco sua integridade física e psicológica.
Neste momento, a Seju investiga pelo menos um caso de trabalho análogo à escravidão na região oeste do Paraná e várias denúncias por todo o Estado. Já são pelo menos cinco denúncias, somente em 2017, de tráfico de pessoas. São mais de 20 traficados que teriam sido levados do Estado e que ninguém sabe onde estão nem o que estão fazendo. Esse monitoramento específico vem sendo feito pelo Comitê Estadual de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas: “Neste início de ano temos mais denúncias de tráfico de pessoas e, consequentemente, de trabalho análogo à escravidão, do que no mesmo período do ano passado. Isso é muito preocupante”, reforça Silvia.
Dias de terror
Entre os casos solucionados pelo Comitê Estadual quanto ao trabalho escravo destaque para uma jovem que seguia do Nordeste do Brasil para uma cidade do Sul para a colheita de laranjas e foi tirada de um ônibus e levada para uma casa de prostituição na região de Curitiba. A garota conseguiu fugir da casa onde estava e pedir socorro depois de viver dias de terror em confinamento. A dona da casa já foi identificada e está sendo investigada.
Denúncia é investigada no oeste
O meio rural é o que divide espaço com a exploração sexual nesse quesito. A Secretaria de Justiça investiga uma fazenda na região oeste do Paraná onde há dezenas de trabalhadores em situação peculiar ao trabalho escravo. Trabalham por mais de 12 horas diárias, dormem no meio da mata, se alimentam em local improvisado, ficam expostos em ambientes próximos aos agrotóxicos e não têm local adequado nem mesmo para as necessidades fisiológicas.
A coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Estado do Paraná, Silvia Xavier, explica que existe um esforço das autoridades que investigam para desmantelar essas estruturas, mas as denúncias precisam contar com o envolvimento dos trabalhadores, o que nem sempre acontece. “Muitos deles [explorados] não conhecem seus direitos. A maioria fica com medo do patrão, de perder o emprego e do pouco dinheiro que lhes sobra deste ‘trabalho’. A Justiça precisa de provas e de informações contundentes para entender que há trabalho análogo à escravidão, então muitas denúncias acabam ficando impunes”, lamenta.
Por questões de segurança e para não atrapalhar as investigações, nenhum outro detalhe sobre a investigação em curso foi repassada. O que se sabe, por exemplo, que esse também não é um caso isolado na região. Há registros de trabalho análogo à escravidão quanto a serviços domésticos e em outras áreas.