Cotidiano

Países afetados pelo terrorismo, como a França, perdem turistas para seus vizinhos

2015 866470853-2015 866314896-201511141040572869_RTS.jpg_20151114.jpg_201511.jpgRIO – A criação de um certificado internacional de segurança para a indústria hoteleira é uma das medidas em estudo pelo setor, como reação aos ataques terroristas registrados no Velho Mundo, que vêm afetando o mercado de turismo de diferentes países da região. Para reforçar sua atratividade, os hotéis se submeteriam à certificação, nos mesmos padrões do selo de sustentabilidade.

Para a École Hôtelière de Lausanne (EHL), uma das principais escolas de hotelaria do mundo, não está claro se os efeitos dos atentados e de outras mudanças a nível global vão se cristalizar sobre o setor do turismo ou apenas exigirão que ela se adapte. De qualquer forma, é preciso mudar.

BV Terrorismo

A entidade está para publicar seu ?Relatório de Lausanne?, em que traça cenários para o futuro do setor. O trabalho considera não somente as consequências dos ataques terroristas, como também das mudanças climáticas e dos fluxos de migração que, ressalta a EHL em nota enviada ao Boa Viagem, não têm precedentes:

?Nos vários cenários traçados pelo relatório, há os que dizem que a indústria se tornará cada vez mais frágil, e há os que apontam para maior flexibilidade e capacidade de adaptação. Só o tempo dirá. Precisamos é capacitar futuros líderes para enfrentar esses novos desafios?.

O turismo na França é um dos que mais vêm sentindo os efeitos do clima de insegurança. Haja vista o Louvre, que estima que perderá até dois milhões de visitantes este ano. Tudo se intensificou a partir de janeiro de 2015, quando, em ataque ao semanário francês ?Charlie Hebdo?, 12 pessoas foram mortas em Paris.

Só a França teve, depois, duas tragédias de grandes proporções: o massacre simultâneo no Bataclan e outras duas áreas da Grande Paris (há um ano) e em Nice (julho último). A partir dali, a queda de pernoites no país chegou a 10%, com redução de 20% na Riviera Francesa, no pós Nice.

Turquia e Bélgica também sofreram sérios ataques entre janeiro e março deste ano. Resultado: o turismo da região se vê diante de atentados relativamente próximos, que dificultam sua recuperação. Pesquisa da ForwardKeys, empresa especializada na análise de Big Data para o setor de viagens, mostra que caíram em média 7,7% as reservas feitas por chineses para a Europa, de meados de novembro de 2015 até meados deste mês. Para Paris, perda de 23,4%.

Enquanto isso, países percebidos como mais seguros, como Portugal, Espanha e Dinamarca, ganham destaque ? tanto entre turistas das Américas, quanto asiáticos. Portugal chama atenção. Em cinco anos, a percepção de segurança do país deu um pulo: no Índice Global da Paz (Global Peace Index), calculado pelo Instituto para Economia e Paz, nossos patrícios subiram do 16º lugar de 2012, para a 5ª colocação este ano.

A República Tcheca, agora em sexto no ranking, também teria se beneficiado desse desvio de rotas, acredita Luiz Fernando Destro, diretor do escritório de turismo tcheco no Brasil: o país tem tido expansão anual de 3% a 5%. A Rússia é outra que identifica ganhos: Segundo a pesquisa da Forwardkeys, as reservas feitas por asiáticos para Moscou cresceram 23%.

RESORTS E CRUZEIROS, OPÇÕES QUE SE DESTACAM

Quanto vai custar a criação de um certificado internacional é uma das questões em debate entre os especialistas. E até que ponto os turistas estariam dispostos a pagar por maior segurança, também. Diante do novo cenário mundial, a indústria hoteleira passou a se debruçar sobre estudos para desenvolver planos de segurança e melhorar infraestrutura e logística próprias.

Investir em resorts e cruzeiros ? ou em outros tipos de hospedagens menos expostos ao perigo ? é uma tendência. Até porque os riscos se diferenciam entre os estabelecimentos. Hotéis próximos a locais públicos, que podem ser alvo de terrorismo, como aeroportos, são considerados mais vulneráveis. Na outra ponta, cresceu a procura por regiões de praia e sol, informa o Turismo da Suíça.

Aliás, a Suíça é outro país que subiu no ranking do Índice Global da Paz, passando do 10º lugar, em 2002, para a 7ª posição em 2016. O indicador, que inclui 163 nações este ano, considera o nível de paz de cada país, segundo os graus de segurança, interna e externa, e militarização.

Entre os países que tiveram piora de desempenho nos últimos cinco anos ? além da França, que foi do 40º lugar para o 46º ? estão a Bélgica (de 11º a 18º) e a Turquia, que já tinha sérios problemas de segurança e deixou a 130ª colocação para passar a 145ª. No caso do Egito, a perda de posições foi maior, de 111º para 142º.

Para a Ásia, via Dubai

? O que está acontecendo é triste e injusto para com os destinos do norte da África, que dependem do turismo e estão sofrendo muito ? lamenta Filipe Silva, conselheiro do Turismo de Portugal, ao analisar o cenário atual principalmente no Egito, acrescentando que as pessoas, num primeiro momento, evitaram pegar avião. ? Deram preferência a ficar perto de casa ou pela vizinhança. E, assim, observamos um acréscimo no fluxo de turistas para Portugal.

Silva diz ainda que as companhias aéreas sentiram uma forte retração no início do ano e agora estão se recompondo. Só que parcialmente:

? Se formos comparar com 2015, ainda há déficit.

No caso de nós brasileiros ? que sentimos a tensão, mas de longe ? a crise econômica foi o principal fator de desaceleração do mercado este ano. Considerando especificamente os atentados, diz Marco Lourenço, diretor da operadora de viagens Queensberry, registrou-se uma pequena estremecida em relação a viagens para a Europa e quem perdeu mesmo foi a Turquia:

? A Turquia zerou!

Um roteiro que vem crescendo na operadora é o direcionado ao Sudeste asiático. Via Dubai. Ou seja, nada de Paris, Londres ou Frankfurt.

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ENTREVISTA

Urs Eberhard: ?A Europa, em geral, não se recuperou?

O turismo na Suíça está sofrendo os efeitos dos ataques terroristas à vizinhança. Afinal, muita gente costuma viajar ao país, combinando roteiros que incluem a França. O vice-presidente de Marketing do Turismo da Suíça, Urs Eberhard, ressalta ainda que, desta vez, ao contrário do usual, os turistas tendem a não esquecer dos acontecimentos com facilidade.

Segundo a OMT, o turismo na Europa cresceu 4% no primeiro trimestre do ano, mas com clara retração no caso dos países afetados pelo terrorismo. A Suíça não é um deles. Há efeitos sobre o país?

Sim, a Suíça está sendo afetada. Muitos turistas estrangeiros costumam combinar roteiros que incluem a Suíça e a França, principalmente Paris; muitos vão de Roma a Paris, via Suíça. Um grande número de visitantes asiáticos (de Japão e China) cancelou sua ida a Paris e, assim, também à Suíça. Mas a Suíça ainda é percebida como um lugar seguro, e as viagens domésticas e de países vizinhos registraram alta no verão. Além disso, tivemos crescimento de turistas americanos.

Os turistas estão realmente assustados? A vida parece voltar rapidamente ao normal em lugares que recebem ataques terroristas, como ocorreu na Londres de 2015.

As pessoas costumam esquecer rapidamente, sim, e os lugares afetados normalmente respondem com ações de marketing e promoções, que logo equilibram o mercado. No entanto, se estamos diante de vários ataques num curto período de tempo e existe uma ameaça de ataques permanentemente, as pessoas tendem a adiar viagens ou a optar por destinos tidos como seguros. A série de incidentes em meses próximos na França, Bélgica, Alemanha e Turquia fez com que esses países, assim como a Europa em geral, ainda não tenham se recuperado.

Há destinos ?se beneficiando? dessa situação? Quais?

Espanha, Ilhas Baleares, Itália e Grécia são os ganhadores. Os viajantes estão evitando o sul da França, a Turquia, o norte da África e têm procurado opções de sol e praia.