Cotidiano

Pablo Martínez Pessi, cineasta: 'As novas gerações não têm ideia do que seja a repressão'

201608181256395811.jpg“Nasci na cidade de Dolores, no
departamento de Soriano, em 1980. Vivi ali, um pequeno povoado de 5 mil
habitantes, até os 19 anos, quando fui para Montevidéu estudar Comunicação.
Pensava que ia fazer Publicidade, mas tive uma oficina de fotografia e vi que o
que queria fazer era contar histórias por imagens.”

Conte algo que não sei.

A produção de um filme no Uruguai
dura cinco anos, em média, e vai bem, até que você o finaliza. Aí, não há espaço
nas salas de cinema. Seus donos são também distribuidores, recebem blockbusters
americanos e dão espaço a esses filmes porque vendem mais pipoca, e porque as
pessoas se entretêm com uma cinema vertiginoso, enquanto o nosso é de histórias.
A indústria só dá uma opção à sociedade, diz que esse é o melhor cinema, o único
que diverte, e que o nosso é tedioso. Não é verdade. Nosso cinema está cheio de
histórias interessantes que têm relação direta com nossa vida. Se vou ver um
filme brasileiro, uruguaio ou argentino, terei algo em comum com essas
histórias.

Há integração entre os países da América Latina em relação ao
cinema?

O Brasil, um país muito grande, com
seus próprios recursos, sempre olhou para dentro para contar suas histórias. A
América Latina olhava para a Europa, procurando coproduções. Quando a Europa
entrou em crise, essas coproduções acabaram. E os países da América Latina
perceberam que poderiam se aliar. O Brasil viu que as parcerias poderiam ser
experiências profissionais positivas para seus realizadores.

Seu filme fala sobre
filhos de exilados da ditadura uruguaia que voltaram ao país. Qual a importância
para as novas gerações de rever esses fatos?

Em nossos países, depois das
ditaduras militares, muitos realizadores que participaram da luta política
decidiram utilizar o cinema como ferramenta para melhorar a realidade. São
histórias com forte carga política. E agora há uma nova geração de realizadores
com outro olhar, que acredito que fazia falta. Isso provoca empatia com esses
personagens. As novas gerações não têm ideia do que seja a repressão, de todas
as liberdades que são cortadas por um governo militar. É impossível, para os
realizadores, fugir desse tema. A história da América Latina, nos últimos 30, 40
anos, foi muito dura. É importante manter viva a memória do que houve para
entender e tomar decisões, hoje e no futuro.

No Brasil, há jovens que pedem uma nova intervenção militar.
Acontece no Uruguai?

Lá, não. No Brasil, sim, vi cartazes de apoio aos militares. Se os jovens
pensam isso, é porque não conhecem. Se tivessem a opção de dialogar com o
passado, conhecer as histórias, saberiam qual é a verdade.

A experiência de exilados de ditaduras é comparável à de
refugiados?

Totalmente. Os europeus veem os
refugiados como ameaça, mas não entendem que essas pessoas não têm opção. Mujica
permitiu a entrada de refugiados sírios, e eles não queriam ficar. É um país
livre, seus filhos iam à escola, moravam em boas casas, mas queriam voltar ao
Oriente Médio. Alguns pensam: “Vocês são pais, entendo que não se sintam bem,
mas voltariam com seus filhos?” Se o pai prefere voltar para a guerra, que seus
filhos fiquem no país, pelo menos até que o conflito termine.

A eleição de Mujica, um ex-guerrilheiro, mudou algo na relação
com a ditadura?

Acredito que sim. Talvez muitos
jovens que estavam distantes desses acontecimentos os conheceram melhor. Mas não
profundamente. Se os Ministérios de Cultura tivessem um programa de cinema para
as escolas, seria bom para discutir e promover um encontro entre o cinema, a
História e os estudantes. Os governos têm que pensar nisso.