Toledo – Um anúncio histórico que pode mudar a vida de mais de 700 mil brasileiros que sofrem diferentes doenças e que podem ser tratados com medicamentos à base de canabidiol. Anunciado pela empresa Prati-Donaduzzi, indústria 100% nacional e maior produtora de medicamentos genéricos do Brasil com sede em Toledo, é também a pioneira no País a desenvolver produtos à base de CDB (canabidiol), que é extraído da cannabis sativa, conhecida popularmente como maconha.
O primeiro medicamento, cuja pesquisa foi iniciada em 2015, é o Myalo – indicado para o controle de crises de epilepsia refratária, grau mais crítico da doença, cuja incidência é mais comum em crianças. A empresa anunciou oficialmente ontem a expectativa de produção.
O medicamento é fabricado com canabidiol de elevado grau de pureza, obtido a partir de extrato vegetal purificado derivado da planta Cannabis. O projeto teve investimento inicial de R$ 11 milhões, parte desse valor com aporte da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos).
Uma das partes principais desse investimento foi a construção do prédio do Centro de Pesquisas em Canabinoides – primeiro centro exclusivo para essa finalidade no mundo, doado pela Prati-Donaduzzi. O centro de pesquisa fica em Ribeirão Preto (SP), onde a equipe de estudos da USP (Universidade de São Paulo) realiza análises e investigações há mais de 30 anos sobre o CBD.
O estudo clínico para registro do medicamento, realizado em parceria com a USP câmpus Ribeirão Preto, encontra-se em andamento. Os testes em voluntários saudáveis já foram encerrados e a fase final de testes clínicos (fase III), em pacientes, tem previsão de ser finalizada no segundo semestre de 2018.
A popularização
A patente da formulação desenvolvida para epilepsia refratária no Brasil (INPI) e no exterior (PCT) já foi depositada e a submissão para registro do produto Myalo® será realizada no segundo semestre de 2018, após finalização dos testes clínicos em pacientes. “Nossos esforços buscam o desenvolvimento do primeiro medicamento registrado do mundo à base de canabidiol para o controle de crises de epilepsia refratária, com foco total na qualidade da matéria-prima e do produto final”, destaca o diretor-presidente da Prati-Donaduzzi, Eder Fernando Maffissoni.
Atualmente, o gasto mensal de uma família para tratamento de uma criança com epilepsia gira em torno de R$ 3 mil a R$ 4 mil. A intenção da indústria é chegar a um valor aproximado de R$ 300, tornando possível o tratamento para famílias de baixa renda.
Nova aposta: canabidiol sintético contra o Parkinson
Em paralelo, a Prati-Donaduzzi também trabalha em um segundo projeto na área que contempla o desenvolvimento pioneiro no mundo do canabidiol sintético, que tem como principais vantagens a garantia de alto grau de pureza, sendo 100% livre de THC (tetrahidrocanabinol – principal derivado psicoativo da cannabis), a disponibilidade constante do insumo farmacêutico ativo (IFA) sem necessidade de cultivo da planta para posterior obtenção do extrato, além da redução de custo. Nesse caso, o foco são os pacientes que sofrem com o Mal de Parkinson.
O canabidiol de origem sintética será produzido a partir de substâncias químicas estruturalmente mais simples e comercialmente disponíveis, atendendo aos requisitos de qualidade exigidos para um insumo farmacêutico ativo tanto no Brasil (Anvisa), como no exterior (ICH).
Os dados são preocupantes e uma pequena multidão já sente na pele a ausência de um medicamento seguro e acessível. Os desafios são grandes, mas a maior parte deles já está superada. A pesquisa sobre o uso do canabidiol e o investimento são considerados marcos na história de medicamentos.
Segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), 1% da população acima de 65 anos sofre com a doença de Parkinson. Somente no Brasil, a doença atinge 200 mil pessoas. “A pesquisa do canabidiol sintético vem sendo realizada há dois anos por nossa equipe. Em um primeiro momento a indicação clínica a ser testada está vinculada ao tratamento do Parkinson, mas temos a perspectiva de inclusão futura das demais indicações terapêuticas viáveis para o CBD”, adianta Eder Maffissoni.
Um investimento grandioso e sem precedentes
O investimento aproximado para o desenvolvimento do estudo e produção se aproxima de R$ 30 milhões. O valor inclui a doação de um prédio para que os princípios ativos sejam avaliados e estudados. A Anvisa acompanha de maneira muito próxima todo o processo. A indústria conta com outros dois investidores para o projeto, todos para o incentivo de pesquisa. A partir do IFA sintético, a Prati-Donaduzzi está desenvolvendo um medicamento para tratamento da doença de Parkinson. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico) aprovou apoio não reembolsável no valor de R$ 4 milhões para a pesquisa, que é realizada em parceria com a Faepa (Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP.
A saga de dor e clandestinidade
Maria Helena sabe exatamente o que significa não ter o medicamento à base de canabidiol disponível e legalizado no Brasil. Um familiar sofre com um tipo raro de epilepsia e ela não encontra outra saída a não ser comprar a própria maconha para pelo menos amenizar as crises. A mulher procura dicas na internet para tratar o familiar. Não existe prescrição médica e muito menos segura na dose que ela administra. O único fato que motiva a família no uso da droga são os resultados empíricos. O paciente tem o dobro de crises sem a substância. A preocupação apenas é o risco de ter de recorrer à criminalidade para obter o produto, ir até as “biqueiras” comprar a droga é um calvário para a família de operários.
“Eu já entreguei a maconha para ele chorando, pois não sei se estou fazendo bem ou mal. Não temos dinheiro para procurar um tratamento eficaz e mesmo na Justiça muita famílias não conseguem acesso”, conta Maria Helena.
A reportagem do Jornal O Paraná entrou em contato com Maria Helena por meio de uma rede social. Mesmo morando no mesmo bairro da indústria farmacêutica Prati-Donaduzzi, ela desconhecia que o laboratório já está preparado para processar e produzir o medicamento que ela tanto espera. “Eu fico feliz em saber que algo tão maravilhoso será feito em território brasileiro e logo na minha cidade. Tenho esperança de poder ajudar meu irmão sem me sentir uma criminosa”, disse, emocionada.