Cotidiano

O fado ?arriscado? da banda Deolinda chega ao Rio

RIO – O movimento de renovação do fado sacudiu, como nenhum outro, a música portuguesa nos últimos anos. Banda formada em 2006 pelos irmãos Pedro e Luís José Martins, com sua prima Ana Bacalhau e ainda José Pedro Leitão (que depois se casaria com Ana), o Deolinda não ficou de fora da dança, mas seguiu em frente, com novos passos.

Pela primeira vez no Rio (ele se apresentou em 2013 em Pernambuco e São Paulo), o quarteto é a grande estrela da Festa dos Santos Populares Portugueses, evento de música, gastronomia, arte popular e literatura, gratuito, que acontece de sexta a domingo, na Praça XV e no Paço Imperial. O grupo faz na sexta, na praça, o show do seu quarto álbum, “Outras histórias”, lançado com sucesso em fevereiro em Portugal.

— Enquanto nossos dois primeiros álbuns iam beber à tradição do fado, mas sem ser fado, no terceiro, “Mundo pequenino”, começamos a olhar de Portugal para o mundo. Fomos nos deixando influenciar pelos sons e pelas culturas dos países em que íamos fazer concertos — conta Ana, cantora do Deolinda, em entrevista por telefone. — “Outras histórias” é um álbum da maturidade, em que sentimos confiança para arriscar. As canções desse disco pediam coisas diferentes. De fato, há um lote delas que não tem lá tanto fado, ou nada de fado, mas que traz a influência da música tradicional portuguesa, uma predominância de percussão que está dentro de uma tradição.

Os elementos alienígenas despontam numa série de canções do novo disco, indica Ana Bacalhau:

— Há um cheirinho à bossa na “Canção aranha”, um baião no refrão do “Bom partido”, uma orquestra meio inspirada no “A day in the life” dos Beatles em “Nunca é tarde” e, se calhar, a maior experiência de todas, que foi ter convidado um DJ, o Riot, do Buraka Som Sistema (grupo português que se baseia no kuduro angolano), para pôr uns beats eletrônicos de funaná, que é um ritmo tradicional de Cabo Verde, por cima de uma canção tocada com nossos instrumentos acústicos (“A velha e o DJ”). Ficou uma coisa maravilhosa, mas Deolinda mesmo.

Uma característica que o grupo gosta de exercitar em suas canções (todas de Pedro Martins) é a da crônica, como se vê bem no novo disco em “Bom partido”, que fala sobre uma tal moça que pede aos santos para que lhe encontrem um marido.

— É um lado muito característico do Deolinda, esse do olhar sobre o mundo que nos rodeia, das histórias do cotidiano — diz a cantora. — Tem também a história do casal que está zangado, mas partilha no sofá uma manta (de “Manta para dois”). Uma situação comum que, se calhar, não pensávamos que pudesse dar numa música. Em geral, as canções falam do amor de coisas elevadas, do amor em uma forma abstrata, mas gostamos de pegar essas coisinhas do dia a dia e transformá-las em músicas.

“SOMOS POLITIZADOS”

A crônica do Deolinda, porém, algumas vezes esbarra na política, como foi o caso de “Parva que sou” (“que mundo tão parvo/ onde para ser escravo é preciso estudar”), música que causou rebuliço em 2011, em meio à crise política e econômica enfrentada por Portugal.

— Foi um pouco inesperado, a canção não veio em nenhum disco, nós a tocamos em dois concertos importantes, no Coliseu de Lisboa e no do Porto — relata Ana. — A reação do público foi absolutamente emotiva, as pessoas ouviam a letra e aplaudiam. Depois, a canção começou a passar de mão em mão nas redes sociais e houve até uma manifestação feita em março em que ela foi a trilha sonora dos protestos contra todas as dificuldades enfrentadas por alguém que começa a sua vida profissional. O que, infelizmente, existe ainda hoje.

 

Segundo a cantora, o Deolinda tem uma postura crítica em relação a tudo aquilo que a cerca:

— Somos politizados, a cidadania é importante para nós. Portanto, é natural que isso passe para a música que fazemos. Neste novo álbum, por exemplo, temos uma canção chamada “Bote furado” — conta. — A situação em Portugal esteve muito difícil até há pouco tempo, ainda atravessamos algumas dificuldades econômicas, ainda estamos às voltas com algumas regras de austeridade impostas pela União Europeia, mas estamos neste momento respirando um pouquinho mais de alívio com o novo governo, que é mais atento ao humanismo e às questões sociais, que freia um pouco o ímpeto neoliberal. Estamos um pouquinho mais serenos para enfrentar o futuro.

Com fãs brasileiros da importância de Fafá de Belém (que já cantou em seus shows uma música do grupo, “Ele passou por mim e sorriu”), o Deolinda espera que a visita ao Rio renda frutos.

— Sabemos que temos um grupo de fãs no Brasil, para lá da comunidade portuguesa, que estava torcendo há muito tempo para que voltássemos. Tomara que esteja no nosso destino encontrar com músicos brasileiros — torce a cantora.

Deolinda

Onde: Praça XV, Centro (veja programação do festival no site santospopularesportugueses.com.br).

Quando: Nesta sexta, às 21h.

Quanto: Entrada franca.