BRASÍLIA. O governo do presidente interino Michel Temer decidiu suspender a concessão de novas bolsas para estudantes de graduação no programa Ciência Sem Fronteiras. Assim, irá acabar o intercâmbio dos universitários brasileiros, de cursos de áreas técnicas, que passam um período em instituições de ensino de 54 países. O ministro da Educação, Mendonça Filho, disse que se trata de um programa caríssimo e que não passa por avaliação nem acompanhamento. E que os cursos ministrados são, na sua maioria, em faculdades de ?terceira linha?.
O ministro afirmou que cada aluno nesse programa custa R$ 105 mil por ano ao governo brasileiro. Ele afirmou que, com esse volume de recurso, é possível formar três estudantes em cursos particulares como direito, jornalismo e até engenharia. Mendonça diz que nem países ricos adotariam um programa como esse.
? Nem Finlândia, Suécia ou Dinamarca, que são países riquíssimos e muito bem resolvidos na questão de equidade, ofertariam um programa tão generoso como esse, sem qualquer acompanhamento ? disse Mendonça Filho ao GLOBO, na tarde deste domingo.
A comparação a que o ministro recorre para demonstrar o que considera custo excessivo do Ciência Sem Fronteiras é o seguinte: em 2015, o governo gastou R$ 3,7 bilhões com 35 mil bolsistas do programa; e gastou o mesmo valor para custear a merenda de cerca de 40 milhões de estudantes no país.
? É um programa caríssimo, e para atender 35 mil alunos. Sem avaliação, sem acompanhamento. Boa parte dos cursos são de terceira linha, sem sequer compatibilidade curricular com nossas universidades. Foi feito e moldado de forma absolutamente amadorística ? disse Mendonça Filho, que é filiado ao DEM e foi um dos líderes do impeachment de Dilma Rousseff na Câmara.
Ele diz que o próprio governo do PT já promovia uma descontinuidade do programa.
? O programa já estava sendo descontinuado pelo governo anterior. Está há dois anos sem oferta de vaga. Tinha previsão zero de orçamento. Esse programa precisa ser reavaliado e redirecionado ? disse.
Esse redirecionamento, segundo o ministro, passa por distribuir bolsas de intercâmbio para alunos pobres, do ensino básico e de escolas públicas estudarem línguas no exterior.
? O compromisso do governo Temer é enfatizar o acesso aos mais pobres em educação básica. Estamos estudando alternativas para realocar recursos para ajudar o nível médio. Ajudar estudante pobre, do ensino médio, de escola pública a fazer um intercâmbio no exterior. O filho de classe média já manda seu filho para intercâmbio, pago com seu próprio bolso ? afirmou.
Mendonça Filho fez questão de frisar que não haverá falta de recursos para pagamento de bolsas de pós-graduação.
PETISTA CONSIDERA ABSURDO FIM DO PROGRAMA
Um dos responsáveis pela instituição do Ciência Sem Fronteiras, quando ministro da Ciência e Tecnologia do governo Dilma, o ex-senador Aloizio Mercadante criticou a suspensão do programa pelo governo Temer. Para o petista, o programa é um êxito, que deu oportunidades a estudantes jovens de baixa renda de estudarem no exterior e que alavancou a pesquisa científica no país.
? É um absurdo acabar com o programa e essa oportunidade que ele representa. Houve uma explosão de aprendizado de língua no Brasil por causa do Ciência Sem Fronteira. O governo brasileiro precisa manter o esforço de formar pesquisadores de ponta e internacionalizar a ciência e a tecnologia e participarmos das cadeias de inovação do mundo. O Brasil é o 13º país do mundo em termos de produção científica. E esse esforço foi fundamental. Impulsionou a graduação, a produção científica. Nossos estudantes foram para 54 países e estiveram presentes em 182 das 200 mais importantes universidades ? disse Mercadante ao GLOBO.
Mercadante ocupou duas vezes o Ministério da Educação no governo Dilma, além da Casa Civil. O petista diz que o programa beneficiou estudantes de baixa renda.
? O programa também foi de inclusão social. Do total que participou, 26,4% são negros; 25% são jovens de famílias com renda até três salários mínimos; e mais da metade são de famílias com renda de até seis salários mínimos. Nunca tiveram essa oportunidades. E foram selecionados também por seus méritos, pelo desempenho do Enem. Ou seja: dois terços dos beneficiados são de famílias com renda abaixo de dez salários mínimos (R$ 8,8 mil).
Mercadante afirmou que, se o programa passa por problemas, pode ser aprimorado. E disse que a variação do câmbio teve um peso na redução de recursos para o Ciência Sem Fronteiras. Lembrou, ainda, que apenas uma parte das empresas privadas que se comprometeram em ajudar o programa colaboraram de fato.
? Uma parte desse financiamento privado se efetivou, caso da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), que honrou seu compromisso. A Petrobras também iria colaborar, com R$ 460 milhões, se não me engano. Só não fizeram por causa do golpe (impeachment de Dilma). Tem que ir atrás do setor privado. E mais. O programa sofreu um impacto grande com a desvalorização do real. Uma coisa é o câmbio a R$ 1,80, outra é a R$ 3,40.
? Tudo é razoável em política pública. Sempre se pode aprimorar ? afirmou.