Cotidiano

?Não montamos peças de museu?, diz Eduardo Tolentino, do Grupo Tapa

INFOCHPDPICT000034268994RIO ? Com 37 anos de carreira e estabelecido há 30 anos em São Paulo, o Tapa retorna ao Rio com sua última criação, ?Gata em telhado de zinco quente??, clássico de Tennessee Williams que estreia nesta quinta-feira no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Na entrevista a seguir, Eduardo Tolentino, diretor artístico do grupo, aborda a atualidade do texto e a importância da formação do ator no Tapa e opina sobre a ausência de políticas públicas de apoio à cultura no país.

Nos últimos 37 anos, o Tapa construiu um repertório calcado em clássicos contemporâneos, como Strindberg, Ibsen, Pirandello, Tchékhov, mas demorou um pouco até abordar Tennessee Williams. Como se deu a aproximação?

Faz um bom tempo que o Tapa estuda a obra do Tennessee, e já realizamos diversas traduções para suas peças, que foram publicadas em quatro livros. Mas, em relação à montagem das peças, começamos com os textos curtos, até que chegou o momento de ?Gata…?, ou melhor, a confluência de uma série de fatores, desde patrocínio à composição desse elenco. Nos dedicamos à formação de um repertório, de plateias, mas principalmente dos atores. E ter esse elenco era fundamental para a peça.

O que o levou a convidar a atriz Bárbara Paz para fazer Maggie?

É o quarto trabalho que fazemos juntos. Nos conhecemos quando ela ainda era uma menina vinda do Sul, um diamante bruto. Mas ela está de volta, principalmente, porque hoje é madura o suficiente para encarar esse papel. Quando olho os atores do Tapa, sei que eles são capazes de enfrentar qualquer coisa, em teatro, cinema ou TV, e são reconhecidos por isso, vide a Sandra (Corveloni, eleita melhor atriz no Festival de Cannes por ?Linha de passe?), ou o Zécarlos (Machado) e tantos outros. Esse preparo do ator é um aspecto fundamental do Tapa, e para isso é muito importante transitarmos por esses grandes autores, como Strindberg, que é o pai de tudo o que é moderno e contemporâneo, ou Pirandello.

A possibilidade de estabelecer conexões com o presente é um dos fatores para escolha dos textos?

Sim. Não montamos peças de museu. Quando vamos a um texto perguntamos o que ele pode nos dizer sobre o contemporâneo, e esses grandes autores têm muito a nos dizer.

Que elos com o país e o mundo de hoje o texto de ?A gata..?? sinaliza?

Essa peça espelha um mundo do latifundiário, o passado escravagista, a monocultura, e a gente conhece isso. É o agronegócio, é a formação e o presente do Brasil. Também existe ali a influência negra, uma força religiosa e a sua repressão, a sensualidade… Não estamos fazendo porque é um grande texto, mas porque esse texto tem uma transcendência espacial e temporal. Ele oferece camadas e possibilidades de leitura, com chaves de sociologia, psicologia, e também sexualidade, no sentido da homofobia e da repressão do Brick (Augusto Zacchi), que renega violentamente seus impulsos… O cinema americano acabou firmando uma leitura meio edulcorada, um lirismo meio brega, em relação ao Tennessee, mas o teatro nos dá a chance de ir mais fundo.

O Tapa tem 71 peças montadas, mas não conta com patrocínio continuado e geralmente não participa de editais públicos. Como o grupo sustenta suas atividades?

Para responder, preciso falar da origem do Tapa: começamos sem dinheiro nenhum. Antes do dinheiro, nós criamos um fato, uma peça. E isso permanece até hoje. Quando não ganhamos um edital, como o que possibilitou ?Gata…?? (o grupo contou com edital do CCBB), a gente levanta uma obra. Já fizemos peças tendo R$ 10 mil, ou menos. A gente investe no trabalho para tentar vender depois, mantê-lo em cartaz e fazer com que circule. O Tapa também não despreza a bilheteria, muito ao contrário. A gente acha importante fazer peça de terça a domingo, não só por causa da bilheteria, mas também porque o trabalho fica melhor. Não gosto de me lamentar, mas é importante frisar a ausência de políticas públicas para manter trabalhos continuados. O ruim no Brasil é que toda união de classe descamba para uma disputa de balcão e deixa de lutar por políticas públicas.