“Sou de São Paulo. Faço 50 anos este ano. Formei-me em Psicologia Clínica, na USP. Fiz mestrado e doutorado na Universidade da Flórida, onde morei por dez anos. Dou aulas nos cursos de Gerontologia da USP e da Unicamp. E na pós-graduação de Neurologia da USP, sempre trabalhando com temas de demência, treino cognitivo e reabilitação.”
Conte algo que não sei.
A população brasileira está envelhecendo rapidamente, e o Brasil, nas próximas décadas, vai ter um grande número de pessoas com demência. Hoje, as universidade públicas já estão formando profissionais, gerontólogos, que fazem uma graduação inteira voltados para a questão do envelhecimento. Eles recebem informações a respeito do envelhecimento psicológico, biológico e social.
É melhor para um idoso ser cuidado pela família?
É extremamente desgastante cuidar de pacientes com demência. Se a pessoa está disponível e deseja assumir esse papel, pode ser bastante gratificante. Mas se não tem desejo, não tem tempo, pode ser muito ruim, tanto para o idoso, quanto para o familiar. Agora, mesmo que cuidadores venham a ser contratados, a presença do familiar é muito importante, para avaliar o cuidado.
E ir para asilos, é positivo?
Os idosos tendem a preferir ficar em casa. Mas temos que avaliar se é viável. Se a pessoa mora sozinha, ou se a família não tem dinheiro para ter uma equipe de cuidadores. É caro. A pessoa com demência não pode ser deixada sozinha. É sempre muito difícil ter que se despojar dos seus pertences e passar a viver num ambiente comunitário. É um momento de luto.
Por que nós perdemos a memória?
A estimativa de demência na população com mais de 60 anos é de 7%. Entre octogenários e nonagenários, fica entre 30% e 50%. Mas temos pelo menos 50% que não desenvolvem demência. Sempre questionamos: se as pessoas vivessem até 120, 130 anos, todas demenciariam? É possível viver muito na total preservação da cognição? Parte do que chamamos de demência não é envelhecimento cerebral?
As causas das demências já são conhecidas ou há dúvidas?
Há evidências de que características genéticas estão associadas a um maior risco. Pesquisas mostram que o estilo de vida também tem impacto. Quem fez atividade em toda a vida adulta tem risco menor. A pessoa que teve um estilo de vida cognitivamente engajado, que aprendeu novas línguas, novos hobbies, estudou bastante, também tem um valor de proteção. E estudam-se dietas, como a do Mediterrâneo, favoráveis à cognição.
A percepção da pessoa sobre a própria memória pode prejudicá-la?
Quando você diz a si mesmo que não é bom em alguma coisa, praticamente elimina a chance de ir bem. É o que chamamos de profecia autorrealizadora. Na memória, isso parece exercer efeito significativo. Se o idoso acha que não é bom em tarefas de memória, tende a fugir delas, não se esforça, porque já se sente um derrotado antes de desafiar-se.
A velhice é estigmatizada?
Sim. Tradicionalmente, o idoso é visto como inativo, improdutivo, triste, com problemas de memória, isolado socialmente. Mas vivemos um momento em que estamos tentando construir outro espaço para os idosos. E observamos que há muitos indo para a linha do envelhecimento ativo. Chega às vezes a um extremo: nem todos querem ser superativos aos 70 anos.
Há um grande medo em relação ao Alzheimer. É uma valorização da memória?
Mais do que a memória, o bem mais precioso é a autonomia. A sociedade valoriza o indivíduo que produz, tem dinheiro, decide o que fazer da vida dele. Se você tem problemas de memória, é vigiado pela família, perde o poder de decisão. Esse é o grande pavor.