Cotidiano

Médicos discutem impacto da obesidade nas doenças do coração

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RIO ? O excesso de peso e a obesidade se tornaram uma epidemia contemporânea que
assola o mundo inteiro e, de acordo com especialistas, o problema é tão complexo
que pode ser comparado ao desafio de encontrar uma solução para o aquecimento
global. Várias complicações estão associadas aos quilos a mais na balança, como
diabetes, hipertensão, derrame, doenças do coração, do pulmão, problemas
gastrointestinais, infertilidade, depressão e vários tipos de câncer. O problema
é que muitas dessas doenças demoram a apresentar sintomas e, quando detectadas,
já estão em estado avançado, diminuindo as chances de cura e dificultando o
tratamento.

Para discutir a importância do diagnóstico precoce das doenças
cardiovasculares ? como diabetes e hipertensão ? causadas pela obesidade, o
endocrinologista Walmir Coutinho e a pesquisadora Eliete Bouskela, doutora em
fisiologia cardiovascular pela Uerj, participaram da última edição dos Encontros
O GLOBO Saúde e Bem-Estar. Coordenado pelo cardiologista Cláudio Domênico, o
evento teve mediação do jornalista William Helal Filho, do GLOBO.

? Muitas vezes a pessoa não está sentindo nada, mas já
tem diabetes ou hipertensão e não sabe o risco que está correndo. São doenças
chamadas de inimigos silenciosos ? alertou Domênico. ? A obesidade é um problema
de toda a sociedade, em todos os níveis e não existe uma estratégia simples para
algo tão complexo. A prevenção tem que começar na infância.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, em 2014, mais de 1,9 bilhão de
adultos em todo o mundo estavam acima do peso e dentre eles 600 milhões eram
obesos.

No Brasil, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) feita pelo
Ministério da Saúde em 2013 e divulgada no ano passado, mostrou que 58,2% das
mulheres estão acima do peso, assim como 55,6% dos homens. O mesmo levantamento
revelou que 24,4% das mulheres e 16,8% dos homens estão obesos, ou seja, têm o
Índice de Massa Corporal (IMC, a divisão do peso pela altura ao quadrado) maior
que 30.

Ainda segundo a pasta, o Sistema Único de Saúde (SUS) gasta R$ 458 milhões
anualmente para tratar problemas decorrentes da obesidade. Um relatório da OMS
feito em 2012 também revelou que os problemas derivados do excesso de peso estão
entre os três principais custos sociais dos governos, perdendo apenas para o
cigarro e para a violência armada e o terrorismo.

Um dos motivos que transformaram o tratamento e a prevenção da obesidade num
problema tão complexo são as suas causas. Segundo o endocrinologista Walmir
Coutinho existem dois fatores principais que propiciam o ganho excessivo de
peso: os genéticos e os ambientais.

? Dentre as causas ambientais, metade são aquelas que
nos fazem nos movimentar menos, desde o controle remoto até o uso excessivo dos
automóveis. A outra metade são as que levam as pessoas a comerem mais, usando o
alimento como se fosse uma droga. A espécie humana aprendeu que assim como o
álcool e a cocaína, os alimentos açucarados e gordurosos também podem estimular
o sistema de recompensa do cérebro. Essas causas fazem com que a epidemia de
obesidade continue fora de controle no mundo inteiro ? explicou Coutinho.

AMEAÇA À RESERVA DE ENERGIA

Desafio maior do que perder peso, de acordo com o
endocrinologista, é manter os quilos eliminados a longo prazo. O corpo humano
entende o emagrecimento como ameaça a uma reserva de energia que pode ser
essencial para a sobrevivência e ativa mecanismos para recuperar as gorduras
perdidas.

? O organismo produz mais hormônios que aumentam a fome, diminui a produção
dos que diminuem a vontade de comer e reduz o gasto metabólico. Para reverter
esse quadro, é preciso alimentação correta, prática regular de exercícios e, em
muitos casos, o uso de remédios para vencer a resistência do corpo a longo
prazo. Emagrecer não é tão difícil, difícil mesmo é emagrecer e continuar magro
? ponderou.

Coutinho alertou também que não é só a quantidade de
gordura acumulada que determina o risco de adquirir doenças, mas principalmente
a maneira como ela está distribuída pelo corpo. As mais perigosas são a gordura
intra-abdominal, ou visceral, situada em cima do estômago e do intestino, dentro
da cavidade abdominal, e a ectópica, que pode se depositar no fígado, nos
músculos, no pâncreas e em volta do coração.

? As pessoas pensam que ter um ?pneu? causa uma doença
cardíaca. Isso é gordura subcutânea abdominal, está embaixo da pele. É
totalmente diferente da gordura visceral, que fica dentro da cavidade abdominal,
ou da ectópica. A gordura mais perigosa está escondida, não é aquela que a gente
pega com a mão ? ensinou o médico. ? A medição da cintura do paciente é uma boa
forma de estimar se existe excesso de gordura dentro do abdômen: para os homens,
o risco cardiovascular aumenta a partir dos 102 centímetros de cintura. Para as
mulheres, a partir de 88 centímetros.

Professora titular de fisiologia cardiovascular da Uerj, Eliete Bouskela
coordena o Laboratório de Pesquisas Clínicas e Experimentais em Biologia
Vascular (Biovasc) na instituição e é a responsável pela criação da
videocapilaroscopia do leito periunguial. O nome complicado assusta, mas
trata-se de um exame não invasivo que consegue detectar problemas na
microcirculação do corpo através da visualização dos vasos capilares da
cutícula.

? As pessoas que apresentam alguma disfunção quando
examinamos a cutícula, com certeza já têm alguma disfunção coronariana o que
ajuda na detecção precoce de doenças como hipertensão e diabetes e outros danos
causados pela obesidade. A nossa ideia é o diagnóstico cada vez mais precoce e
não invasivo. O legal é que como o exame é fácil de ser feito, o paciente se
trata e a gente pode refazer para saber o quanto a pessoa melhorou ? explicou
Eliete.

Ana Clara dos Reis, auxiliar de documentação médica do Hospital Pedro
Ernesto, de 35 anos, estava com sobrepeso e recebeu indicação médica para
participar do exame para avaliar seu quadro. A confirmação do exame de que ela
não corria risco cardiovascular estimulou Ana Clara a cuidar mais da saúde e ela
conseguiu emagrecer 12 quilos em cinco meses.

? Fiquei feliz com o resultado. É bom saber as chances que você tem de
desenvolver algum problema de saúde. O resultado me deu ânimo para mudar meus
hábitos sabendo que precisava manter um bom padrão e o exame é mais tranquilo do
que tirar sangue. Mudei completamente minha alimentação e passei a fazer
exercícios com orientação médica do hospital ? contou.

EXAME FEITO EM MEIA HORA

Por enquanto, o exame é feito apenas no laboratório com pacientes do SUS
indicados por médicos que trabalham lá. O procedimento é feito no dedo anelar da
mão não dominante e dura no máximo meia hora. A única recomendação que pode
incomodar é que a pessoa precisa ficar duas semanas sem tirar as cutículas do
dedo examinado e sem usar produtos abrasivos como água sanitária e
detergente.

? Para o exame, tentamos diminuir o movimento do dedo
sem apertá-lo. Observamos primeiro o número de capilares por unidade de área do
tecido. Isso não varia em pacientes obesos, mas em pacientes diabéticos. Medimos
também a velocidade que as hemácias passam pelos capilares. Em pacientes obesos,
ela é menor do que o normal ? disse.

As imagens geradas pelo microscópio são gravadas e analisadas no computador
por um software desenvolvido pelo pesquisador Daniel Bottino. Porém, a
avaliação desses dados é a parte mais custosa do procedimento.

? O tempo que a gente gasta para examinar o paciente, gastamos três vezes
mais para examinar a gravação. Precisamos de gente para fazer essas análises.
Gostaríamos de ter um exame barato e de massa para detectar essas doenças
cardiovasculares o quanto antes. Estamos tentando portabilizar o sistema para
ser acessível para mais pessoas em um ano e meio, mas precisamos de verba.

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ESPECIALISTAS DERAM DICAS PARA A PLATEIA

Além de saber mais sobre os riscos das doenças
cardiovasculares causadas pela obesidade, os participantes da última edição do
Encontros O GLOBO Saúde e Bem-Estar também puderam tirar dúvidas sobre
alimentação e hábitos saudáveis.

Perguntado sobre qual alimento engorda mais, o pão ou o
açúcar, o endocrinologista Walmir Coutinho explicou que o consumo em excesso de
ambos pode atrapalhar a perda de peso, apesar de considerar o açúcar mais
maléfico.

? O açúcar provoca liberação rápida de insulina, que faz
com que o organismo absorva muito rápido as calorias, transformando-as em
depósito de gordura. O pão integral contém fibras e diminui a rapidez da
absorção da glicose, então seria melhor do que o pão não integral.

O cardiologista Cláudio Domênico respondeu uma dúvida sobre a atividade
física ideal explicando que o melhor exercício é aquele que dá prazer.

? Se você está na academia pensando quanto tempo falta
para acabar, então não serve. Para facilitar a aderência ao exercício, tem um
lado do prazer e da motivação que é muito importante.

Domênico também falou sobre os benefícios do consumo do
resveratrol, poderoso antioxidante presente na uva e no vinho.

? A ingestão faz bem para a saúde, o problema é a
quantidade. O homem pode tomar uma taça de vinho por dia, e a mulher meia. O
problema é que as pessoas exageram ? avalia.

Apesar de ser a mais perigosa para a saúde, a gordura
abdominal visceral também é a mais fácil de queimar, conforme explicou Coutinho.

? Em qualquer tipo de dieta ou tratamento ela é a primeira a sumir. A mais
difícil é a da região do glúteo e a do culote.