Cotidiano

Matthias Finger, professor: 'Eletricidade não pode ser vista como tomate'

201605231929261379.jpg“Tenho 60 anos e já sou vovô. Leciono Gestão de Indústrias de Rede, Energia, Transporte e
Comunicações, e dirijo a área de Transportes da Florence School of Regulation,
que integra o Instituto Europeu. Também sou membro do órgão regulador de
eletricidade e de transportes ferroviários da Suíça.?

Conte algo que não sei.

A digitalização trará desafios à regulação de serviços
de energia, transporte e telecomunicações, e não sabemos ainda o quão profunda é
essa mudança. Há risco de haver cada vez mais investimentos na oferta de
serviços a partir de plataformas digitais, como o Uber. Por outro lado, os
serviços precisam da infraestrutura tradicional para funcionar. E isso vai
demandar dos governos mais investimento em infraestrutura, num contexto em que o
Estado não tem mais dinheiro.

A saída é privatizar?

Acredito mais em modelos de concessão e parcerias
público-privadas na provisão de serviços públicos do que em total privatização.
Privatizar é um modelo americano que, mesmo nos EUA, é questionado. O ideal é um
modelo de partilha de risco entre investidor privado e governo.

A seu ver, qual é o problema da privatização no setor?

É que há uma ideia errada sobre investir em
infraestrutura, que não é para fazer dinheiro. Eletricidade não pode ser vista
como tomate ou batata. Você pode precificar esses serviços, mas o papel deles é
criar condições para o desenvolvimento socioeconômico. Muitas vezes, não é
financeiramente possível o investidor entrar sozinho porque o capital demandado
é muito elevado. Cabe uma partilha entre o governo e a iniciativa privada.

Qual sua experiência com a infraestrutura no Brasil?

Só estive aqui rapidamente, duas vezes, mas imagino que
sejam os mesmos problemas de todos os mercados emergentes: congestionamentos nas
ruas e investimento insuficiente em rodovias e mobilidade urbana; blecautes e
desafio da expansão da matriz energética para lidar com a demanda. O Brasil não
é pior que os outros países emergentes.

Como aprimorar a qualidade dos serviços por meio da
regulação?

A qualidade dos serviços tem muito a ver com o quanto
você investe. Isso é relevante em todo o mundo. A qualidade é melhor na Alemanha
ou na Suíça porque colocamos mais dinheiro na infraestrutura. É uma correlação
direta. Em todos os países emergentes a questão não é aumentar a proteção ao
consumidor, mas como fazer com que a iniciativa privada invista nesses
setores.

Como atrair investimento?

O problema comum a todos os emergentes é a capacidade
que o ambiente regulatório tem de conferir ao investidor privado uma
estabilidade suficiente para torná-lo confiante para investir. O segundo desafio
é a questão da desigualdade no fornecimento desses serviços.

Como assim?

Um papel importante da regulação é garantir provisão de
serviço de qualidade não só às classes mais favorecidas, nas áreas mais
favorecidas. É um papel distributivo, de inclusão, para que essa oferta de
qualidade chegue às parcelas menos favorecidas.

O senhor já escreveu um livro sobre educação para adultos, no
início dos anos 2000…

Isso foi em outra vida (risos). Não trabalho mais com a
teoria, mas trabalho muito com educação de adultos na área de regulação,
envolvendo empresários dos setores regulados, governo e acadêmicos. A pesquisa
que faço é aplicada em problemas reais e atuais e na experiência de trazer essas
pessoas experientes para a mesa. É um pouco o que ensina Paulo Freire. Essa é a
teoria aplicada no contexto moderno. Os problemas do mundo contemporâneo são
complexos, e as soluções devem ser buscadas na parcela que cada um a tem a
contribuir.