CANNES ? Cannes confirmou sua vocação como plataforma para a corrida do Oscar nesta segunda-feira (16), quinto dia de competição, com a exibição de ?Loving?, do americano Jeff Nichols. Drama sobre união interracial ambientado entre o final dos anos 1950 e os 1960, período mais duro do movimento dos Direitos Civis nos Estados Unidos, o novo filme do diretor de ?Amor bandido? (2012) foi recebido calorosamente pela plateia de jornalistas. Muitos veem nele qualidades cinematográficas e relevância social necessária para sustentar debates até a corrida ao prêmio da Academia em 2017.
O filme relembra a história (verdadeira) de Richard (Joel Edgerton) e Mildred (Ruth Negga), casal da Virginia sentenciado a deixar o estado por 25 anos, sob pena de prisão, por terem se casado no Distrito de Washington, onde o casamento entre um branco e uma negra era aceito pela lei. O caso da família Loving, que chegou à Suprema Corte americana e serviu para derrubar as restrições ao casamento entre indivíduos de raças diferentes, chega aos cinemas no momento em que a questão da igualdade racial, sexual ou religiosa divide o país em ano de eleição presidencial.
Diferentemente de outros dramas raciais decididos em tribunais, ?Loving? evita perder tempo muito próximo de policiais, advogados e juízes. No auge da repercussão do episódio de segregação envolvendo Richard e Mildred, já com três filhos pequenos e vivendo longe das respectivas famílias, o casal inspirou reportagem da revista ?Life?. Mas o filme de Nichols prefere focar na relação do casal, de temperamento tranquilo e amoroso, sem qualquer histórico de militância ou rebeldia, que ganhou apoio público após Ruth enviar uma carta ao diretório do então procurador da república Robert Kennedy.
? Espero que ?Loving? seja o filme mais silencioso e simples do ano. Meu desejo é que ele faça as pessoas a pensar nesse tipo de assunto em ano de eleição ? afirmou o diretor de 38 anos, reverenciado como um dos nomes cinema indie americano, após a projeção para a imprensa. ? Temos que ir para além da discussão de ideias políticas, que não se relacionam diretamente com o povo, o que é uma perda de tempo. Eu poderia ter feito um drama de tribunal tradicional, gênero que acho fascinante. Mas meu objetivo era contar a história de duas pessoas apaixonadas, cuja história pessoal é afetada por decisões políticas.
?Paterson?, outro filme ?simples?, quase silencioso da competição, também teve sua estreia nesta segunda-feira. O novo filme de Jim Jarmusch é um poema sobre a banalidade (e a beleza) do cotidiano, construído em torno do personagem-título, um motorista de ônibus de Nova Jersey, curiosamente também chamada Paterson, que escreve poesia nas horas vagas. A trama é contada em estrofes, uma para um dos dias de uma semana inteira da vida do protagonista, vivido por Adam Driver, o Kylo Ren de ?Star wars ? O despertar da Força?.
As estrofes ilustram a rotina diária de Paterson, que se reduz ao trabalho, às conversas com namorada (Bolshifteh Farahani), o passeio com o cachorro dela, e uma parada no bar preferido do bairro. As situações parecem se repetir ao longo da semana, mas cada uma delas acrescenta uma informação nova sobre a natureza dos personagens.
Laura, a namorada, por exemplo, é obcecada por padrões em preto e branco. Como um adolescente, Paterson escreve seus poemas em um caderno de anotações secreto. As conversas dos passageiros do ônibus ou dos frequentadores do bar onde bate ponto poderiam inspirar novas estrofes, mas essas geralmente saem de fontes pueris, como caixas de fósforos.
? O filme é uma celebração dos pequenos detalhes da vida, por mais simples que sejam ? comentou o autor de ícones dos anos 1980, como ?Estranhos no paraíso? (1984), e ?Daunbailó? (1986). ? ?Paterson? é uma espécie de antídoto aos grandes filmes de ação, povoados por super-heróis, e dramalhões.
* O repórter está hospedado a convite do Festival de Cannes